quinta-feira, setembro 19, 2024

Artigo de Opinião – Saúde Coletiva, oportunidade e resiliência em tempos de pandemia.

No geral, o termo oportunidade pode ser entendido de diversas formas e nos mais diferentes contextos, quase sempre remetendo a circunstância favorável ou propícia para fazer algo. O caso é que, no mundo real, é muito difícil agir na hora e no momento certo.

Afinal, como se antecipar, a uma histórica retração do mercado de ações ou a um engavetamento de veículos? Em teoria é possível. Mas, na prática, exceto raras exceções, é pouco provável.

Mesmo sendo impossível agir sempre oportunamente para as coisas do cotidiano, há inúmeras maneiras de se antecipar a problemas de maior escala ou com maiores consequências para a sociedade. Os exemplos vão desde coisas simples como um semáforo num importante cruzamento, até sistemas de alerta complexos que podem antecipar a ocorrência de Tsunamis ou furacões com horas ou dias de antecedência.

Em Saúde Coletiva, não pode ser diferente, oportunidade é algo vital. Seja para controlar a pressão arterial de maiores de 50 anos e com isso prevenir um “ataque cardíaco”, ou ainda, para vacinar crianças, idosos e gestantes e com isso, novamente, evitar adoecimento, mortes e gastos desnecessários. Mas, o que isso tem a ver com a PANDEMIA de COVID-19? Tudo! Vamos a alguns acontecimentos recentes. No dia 31 de dezembro de 2019, a China comunicou à Organização Mundial da Saúde (OMS) o surto por um até então “desconhecido” agente viral (SARS-COV-2).

O mundo parecia descrente com o potencial do novo coronavírus e não apostou na sua capacidade avassaladora, mesmo depois que a OMS decretou emergência sanitária global, em 30 de janeiro de 2020. Por motivos difíceis de entender, a OMS só sacramentou a PANDEMIA em 11 de março. EUA, Itália e Espanha, perderam a oportunidade de reconhecerem a gravidade do problema e, atualmente, respondem por aproximadamente 42% dos casos confirmados e por quase 60% das mortes no mundo, sendo que só a Itália já tem quase 3 vezes mais mortos por coronavírus do que a China, a qual tem uma população quase 25 vezes maior.

No Brasil, talvez tenhamos falhado por não alocarmos recursos financeiros, recrutarmos/qualificarmos trabalhadores de saúde, por não provermos infra-estrutura, hospitalar e, principalmente, de vigilância em saúde/laboratorial oportunamente, de forma a estarmos mais bem preparados para o cenário ainda mais assustador que se aproxima. O Brasil é enorme e a epidemia se manifestará em diferentes velocidades e durações, a depender do contexto.

No entanto, nem tudo está perdido, pois a mesma China que sofreu por quase 60 dias para desacelerar drasticamente o surgimento de casos novos de COVID-19, oferece lições ao mundo a este respeito. Talvez, a mais importante seja o bem sucedido (até aqui) isolamento comunitário em massa, seguido por ampla testagem da população e pela identificação de potenciais casos fora das unidades de saúde, como mostrou ao mundo a experiência sul-coreana.

Ainda há tempo. Podemos estimar casos e oferecer alternativas para lidar com o problema mediante consultas online com médicos e enfermeiros treinados, por exemplo. Podemos ser mais rigorosos com os fluxos populacionais em aeroportos e outros meios de transporte, aderir ao diagnóstico clínico-epidemiológico de casos, na ausência de testes precisos e de fácil aquisição/operacionalização, buscando alternativas criativas para enfrentar o problema, como os atendimentos via Drive-Thru na Coreia do Sul.

No caso do Brasil, temos um grande aliado, o Sistema Único de Saúde (SUS). Não só por sua enorme capilaridade hospitalar, mas também e, sobretudo, pelas milhares de equipes de Saúde da Família, espalhadas em praticamente todo o território nacional e pela estrutura de vigilância em saúde, apesar dos dramáticos cortes impostos ao orçamento da saúde nos últimos anos, em função do teto de gastos, o qual resultou na perda de mais de R$ 20 bilhões, desde 2016.

Para finalizar, é necessário ressaltar que não é o momento de disputas políticas e ideológicas. Temos sim é que reagir e lutar para evitar um cenário ainda mais sombrio. Mas, sob a regência das experiências positivas no enfrentamento do coronavírus e mostrando a nós mesmos e ao mundo que, unidos, podemos sim por em prática nossa ampla capacidade de adaptação e de restauração diante da PANDEMIA que assola a humanidade, que põe a prova nossos valores éticos e nosso compromisso com, quem sabe, um amanhã menos atrelado a saúde financeira global e mais comprometido com a saúde da terra e da humanidade! Por isso, investir em pesquisa nas mais diferentes áreas, no SUS e desenvolver nossa capacidade de resiliência pode ser a chave para aprendermos a lidar com esse mundo em franco e irreversível processo de transformação.

Fique em casa, pois a duração da epidemia pode aumentar e matar ainda mais gente, caso voltemos a um padrão de mobilidade e interação social parecido ao de fevereiro deste ano.

Jesem Orellana

Epidemiologista do ILMD/FIOCRUZ


  • Imagem: Divulgação.

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