Recentemente, o Ministro Mandetta, que tem se mantido firme e assertivamente favorável ao isolamento social massivo no Brasil, fomentou uma nota técnica com especificações à confecção de máscaras caseiras.
O objetivo seria priorizar o uso de máscaras industrializadas por trabalhadores de saúde. Além de, com essa medida e outras mais propostas pelo Ministério, minimizar o aumento de infecções pelo novo coronavírus no país.
Em relação as demais máscaras, como as cirúrgicas ou as que filtram eficientemente partículas microscópicas como a N95, parece que está ficando cada vez mais claro que, diante do nítido desabastecimento mundial e visando interesses mais amplos da saúde púbica, o seu uso deve mesmo ser urgente e criticamente reservado para os que estão na linha de frente do combate à COVID-19.
Esta talvez seja uma oportunidade para que cidadãos comuns que adquiriram essas máscaras, as doem para unidades de saúde, caso estejam lacradas. Seria não só um ato de nobreza, como ajudaria de forma mais efetiva no enfrentamento da epidemia.
Apesar da estratégia de usar máscaras caseiras ao sair de casa parecer agregar no enfrentamento do problema, permanece a pergunta, um cidadão comum deve usar ou não? Para respondê-la, poderíamos nos perguntar: ela serve mais para me proteger ou para me tranquilizar?
A resposta da primeira pergunta, passa pela recomendação da Organização Mundial da Saúde (OMS), que é clara ao afirmar que a máscara cirúrgica descartável, usada há décadas na Ásia, deve ser destinada apenas para pessoas com sintomas. Isso porque, ela NÃO SERVE PARA EVITAR que alguém livre da infecção deixe de inalar o vírus, mas para limitar a dispersão de gotículas de saliva invisíveis por um sintomático de COVID-19, seja pela fala ou espirros.
Esta é a parte que deve ficar clara, mesmo as máscaras cirúrgicas, servem apenas para limitar e não impedir a infecção de outras pessoas. Ou seja, reduz a probabilidade de contagiar pessoas sem a infecção, o que num cenário de amplo espalhamento viral é indubitavelmente útil.
Mais recentemente, um membro da OMS (Michael Ryan), aventou a possibilidade de que máscaras caseiras poderiam ter alguma utilidade em tempos de pandemia. Novamente, é oportuno frisar que se trata de uma pequena e incerta possibilidade. Um típico melhor do que nada. Mas, para situações muito específicas como em ocasiões onde não há como manter o distanciamento mínimo ou de limitado acesso ao conjunto de serviços disponíveis em países mais bem estruturados. Mas, em momento algum, o seu uso de forma indiscriminada.
Em países com pouca ou nula tradição no adequado e oportuno uso dessas máscaras, na melhor das hipóteses, o seu uso poderia resultar em mínima, incerta e imponderável contribuição para o enfrentamento da pandemia. Na pior das hipóteses, o mau uso, poderia facilmente oportunizar a contaminação do próprio usuário ou de superfícies que poderiam disseminar ainda mais o vírus, num momento em que buscamos exatamente o contrário.
Não há dúvidas que temos que interromper a cadeia de transmissão do novo coronavírus, mas temos que avaliar melhor até que ponto vale a pena aderirmos a estratégias arriscadas e que carecem de suporte científico contundente. Afinal, não podemos ignorar que o SARS-COV-2, vírus que leva à COVID-19, é quase 400 vezes menor que a espessura de um fio de cabelo, pode atravessar máscaras cirúrgicas e, provavelmente, máscaras caseiras. Em geral, produzidas com a melhor das intenções, mas sem qualquer rigor sanitário que possa ser posto à prova.
Soma-se a isso que o microscópico vírus da COVID-19 é leve o suficiente para permanecer suspenso no ar e não só penetrar por frestas mais do que esperadas em máscaras caseiras, como também alcançar olhos eventualmente desprotegidos ou parte da face que pode ser facilmente tocada por alguém incomodado com a posição da instável e improvisada máscara caseira.
Em relação a segunda pergunta, se a máscara caseira serviria para tranquilizar as pessoas, reduzindo preocupações e medo, por um lado, é possível dizer que sim. Mas, seria novamente uma suposição, pois não se sabe se de fato essa estratégia funcionária do ponto de vista psicológico e, menos ainda, a eventual duração desse suposto efeito protetor ao longo da epidemia. Afinal, as pessoas poderiam, dias depois, adoecer e associarem esse desfecho a um fracasso pessoal ou do Governo, base da controversa decisão.
Por outro lado, não seria sensato excluirmos a possibilidade de que pessoas inicialmente engajadas no confinamento domiciliar, poderiam se sentir mais encorajadas para saírem de casa um número maior de vezes ou até mesmo relaxarem com outras medidas importantes, como a higiene com as mãos e vestuário, por exemplo.
Em outras palavras, o tiro pode sair pela culatra e certo mesmo é que ainda não há vacina, medicação específica para a COVID-19 e, menos ainda, sinais minimamente claros de que a pandemia está próxima de ser efetivamente controlada, pelo menos nos próximos 2 meses.
Portanto, o engajamento no isolamento social, em medidas para manter uma boa alimentação e a qualidade do sono, a hidratação contínua, cuidados com a saúde mental, manter a distância de 2 metros em relação a outras pessoas quando necessário, bem como a permanente higiene pessoal e dos ambientes que frequentamos, parecem não só acertados, mas estratégias realmente úteis no combate à COVID-19 e para o desejado achatamento da curva.
- Jesem Orellana.
- Epidemiologista do ILMD/FIOCRUZ.