Em entrevista concedida para a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) sobre a crise sanitária associada à EPIDEMIA de COVID-19 no Brasil, vários especialistas emitem opinião com enfoque nas divergentes estratégias de enfrentamento entre o presidente, os governadores e os prefeitos.
Desde a confirmação do primeiro caso de infecção pelo coronavírus no Brasil, anunciado pelo Ministério da Saúde no dia 26 de fevereiro, o país tem se mobilizado na implementação de medidas de contenção do alastramento do vírus Sars-Cov-2, o vírus que causa a Covid-19. Mas falta unidade na definição de estratégias. Os governos federal, estaduais e municipais têm divergido em pontos fundamentais como a necessidade do isolamento social.
Um dos capítulos mais recentes desse embate foi um decreto do governo federal que classificou academias, barbearias e salões de beleza como serviços essenciais durante o período de pandemia, mas que foi ignorado por gestores locais, que se negaram a reabrir esse estabelecimentos. Mas o que dizem as leis sobre isso? Estados e municípios podem se recusar a seguir um decreto federal? Eles têm autonomia para implementar medidas de restrição de circulação de pessoas?
Falhas na articulação: Veja o que os especialistas falam!
“As ações de vigilância sanitária e epidemiológica estão na competência comum dos entes federados. A União deve se recolher às normas gerais, os estados observar as peculiaridades regionais e os municípios, as peculiaridades locais”.
(Onofre Alves Batista Júnior – Professor da Faculdade de Direito da UFMG)
A lei 13.979, de 20 de fevereiro de 2020, dispõe sobre as medidas de enfrentamento à Covid-19 e estabelece que União, estados e municípios devem seguir critérios técnicos, orientados pela Organização Mundial de Saúde, como adoção de medidas de isolamento e outras restrições de circulação necessárias para conter a crise sanitária.
No entanto, discordâncias entre os governos federal, estaduais e municipais levaram o presidente da República a editar um decreto alterando essa lei com o objetivo de retirar a autonomia de governadores e prefeitos e centralizar todas as decisões. Decreto esse que foi barrado pelo Supremo Tribunal Federal (STF), que decidiu, por unanimidade, que estados e municípios podem, sim, tomar as medidas que considerarem necessárias ao combate ao coronavírus, decidindo sobre temas como fechamento do comércio e os serviços considerados essenciais para as cidades, sem depender do aval do presidente.
O problema, no entanto, vai além da questão jurídica. Ainda que medidas possam ser estabelecidas em âmbito local, especialistas ouvidos pela UFMG Educativa concordam que o governo federal deveria ter um papel maior de liderança no enfrentamento da crise sanitária, coordenando ações entre União, estados e municípios, o que não tem sido feito até aqui. Entre os erros de gestão apontados, estão a falta de planejamento, as trocas de comando no Ministério da Saúde e a postura do presidente Jair Bolsonaro de minimizar a crise.
As fontes ouvidas foram o professor da Faculdade de Direito da UFMG Onofre Alves Batista Júnior; o pesquisador da Fiocruz Amazônia Jesem Orellana; o professor do Departamento de Física da Universidade Federal do Paraná (UFPR) Giovani Vasconcelos; o cientista-chefe da saúde do estado do Ceará, José Xavier Neto; e a professora do Instituto de Microbiologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Juliana Reis Cortines.
“As pessoas precisam de uma certa guia e quando você tem informações muito divergentes fica difícil você estabelecer uma mudança tão drástica numa sociedade inteira. ‘Se o presidente pode ir à padaria, por que eu não posso?’ E aí tem um outro governante que diz: ‘não, não pode sair de casa’”. (Juliana Reis Cortines – UFRJ)
No Amazonas, estado que registra proporcionalmente o maior número de casos, cerca de 504 casos por 100 mil habitantes até esta quarta (20/05), o sistema de saúde já está em colapso. A adesão da população às medidas de isolamento social é baixa e a Covid-19 já começa a se espalhar da capital Manaus para o interior. A gestão da pandemia no Norte do país tem sido marcada também por uma crise política, que inclui um pedido de impeachment do governador do estado, Wilson Lima do PSC, por acusações de má administração de recursos públicos durante a pandemia e demora na tomada de medidas de contenção ao coronavírus.
“Em Manaus, estamos vivendo uma explosão da mortalidade. A rede pública hospitalar colapsou.” (Jesem Orellana – Fiocruz Amazonas)
No Ceará, outro estado onde a situação está caótica, o governo do estado e prefeitura de Fortaleza têm se mostrado alinhados na adoção de medidas de isolamento social, mas fatores como o intenso tráfego área na região e a alta densidade demográfica de Fortaleza têm contribuído para a disseminação do vírus, o que levou a decretação de lockdown, ou seja, de um protocolo rígido de restrição de circulação de pessoas e veículos na cidade.
“O Ceará tem feito um esforço para aumentar sua capacidade de testagem, o que é fundamental para tentar acompanhar a epidemia da melhor forma possível” (José Xavier Neto – Cientista-chefe da saúde do estado do Ceará)
Já Minas Gerais parece registrar bons resultados se comparada ao restante do país, mas a quantidade baixa de testes no estado coloca os indicadores locais em xeque, uma vez que o número de casos pode estar subnotificado. O governo do estado e a Prefeitura de BH têm recomendado o isolamento social e adotado medidas de restrição, mas o governador Romeu Zema, com uma postura mais flexível, e o prefeito Alexandre Kalil, a favor de um maior rigor, têm atuado de forma desarticulada.
“Nós estamos politizando uma questão técnica. A população se perde, não sabe quem seguir. Com essa politização, existe uma tendência a negar a ciência e com isso as mortes vão aumentando. Ações que deveriam ser feitas não são feitas por desunião”. (Estevão Urbano – Sociedade Mineira de Infectologia).
Ouça o áudio na íntegra aqui: https://downloads.megafono.host/ebd4b057-c57e-4b3d-996e-f922c3996c60/Episodio42.mp3
Fonte: Universidade de Minas Gerais (Texto copiado na íntegra). https://ufmg.br/comunicacao/noticias/embates-politicos-prejudicam-combate-ao-coronavirus
Imagem: Divulgação.