quinta-feira, julho 4, 2024

Saúde – “Covid-19” – Jesem Orellana, Epidemiologista e Pesquisador da Fiocruz, divulga nota sobre as atualizações de dados.

Este é um assunto polêmico. Por isso, devo fazer alguns esclarecimentos para evitar interpretações muito desviantes desta reflexiva matéria da Jornalista Mônica Bergamo.

Do ponto de vista matemático ou de previsões que assumem pouca margem de erro, o melhor é sempre esperar o dado observado oferecer um pouco mais de segurança para assumirmos ou não possível tendência (a rigor deixa de ser previsão e sim interpretação do dado observado…).

De fato, o dado em questão pode ser pura e simplesmente ao acaso ou talvez um comportamento observável mais adiante e que não representa, necessariamente, um indicativo de aumento, já que ninguém conhece a distribuição desta curva e ela depende de inúmeros fatores, conhecidos e desconhecidos. O problema é que nos últimos 20/25 dias a dinâmica da mobilidade intramunicipal de Manaus voltou a um padrão anterior ao da epidemia. Para piorar, nesta segunda-feira (10-Agosto-2020), o Governador autorizou o retorno às aulas presenciais na rede pública, o que significa dizer que em torno de 120 mil pessoas voltarão a circular. Mas, e se metade desse contingente for de suscetíveis para o novo coronavírus e forem infectados? Simples, uma parte morrerá, sobretudo idosos, professores, transeuntes e demais trabalhadores, direta e indiretamente associados ao cotidiano escolar (pessoal de apoio, prestadores intermitentes de serviços ou mesmo do transporte, seja ele privado ou público). Portanto, ainda que o comportamento da mortalidade específica por COVID-19 (lembrando que está subnotificada) possa não estar aumentando no período em questão, não podemos achar normal que sejam perdidas 15 vidas semanalmente em Manaus por COVID-19 e com base nesses resultados aceitarmos o retorno às aulas presenciais na rede pública como algo dado e irreversível, embora tudo leve a crer.

Aqui parece estar o detalhe subliminar da subjetiva interpretação da segunda onda em Manaus, pois a ampla circulação dessa subpopulação de suscetíveis deve fazer o vírus voltar a se disseminar com um pouco mais de intensidade do que nas semanas anteriores (aumentando as chances de contaminação no interior e fora do estado), podendo, ao menos: 1 – prolongar a interrupção da queda na mortalidade. Mostramos isso no período de 21 de julho a 11 de agosto, o que pode ser resultado da implementação do 4º ciclo do plano de reabertura gradual do comércio, especialmente de atividades não essenciais como creches e escolas da rede privada; 2 – Ou ainda, fazer a mortalidade voltar a crescer, certamente em intensidade notadamente menor do que os escandalosos picos explosivos de abril/maio. Isto abre a possibilidade de que daqui a umas 4 ou 5 semanas possamos sim ter a configuração observável da segunda onda. Na realidade, seria melhor olharmos mortes por motivo respiratório, em comparação com um período semelhante e fora da epidemia, dada a conhecida limitação do indicador de morte específica por COVID-19. Estranhamente a FVS-SUSAM não usa este indicador.

É claro que estou falando de um prognóstico, mas esta deveria ser a principal preocupação de um epidemiologista, se antecipar ao pior. A avaliação epidemiológica da mortalidade semanas ou meses depois não poupa vidas durante a epidemia, talvez ajude em cenários futuros ou em localidades que podem e devem enfrentar algo parecido. Mas, avaliações conservadoras e de curto prazo, que alertam para possível agravamento da situação, caso sejam incorporadas, na pior das hipóteses, não resultarão no aumento de mortes. Já a avaliação da mortalidade semanas ou meses depois ajudará simplesmente a contar mortes que poderiam ter sido evitadas.

Mais recentemente, a cidade de Auckland, Nova Zelândia, surpreendeu o mundo, positivamente, ao decretar “Lockdown”, após a confirmação de quatro casos novos, deixando claro que para manter o vírus sob controle é necessário lutar permanentemente e, acima de tudo, ter o princípio da precaução como maior aliado, especialmente quando não há vacina e/ou medicação específica disponível de forma ágil e universal. A Nova Zelândia se mantém como exemplo mundial durante a pandemia e estava há 102 dias livre de casos novos sugestivos de transmissão comunitária do novo coronavírus (Covid-19: Nova Zelândia põe maior cidade em “Lockdown” após 102 dias).
Já Manaus, segue dando repetidas provas de que despreza a vida, precauções sanitárias e, sobretudo, a boa ciência. Não à toa, Manaus foi a cidade que apresentou um dos mais dramáticos picos explosivos de mortalidade do planeta durante a pandemia; parece se orgulhar da pecha quase medieval de ainda não ter o Serviço de Verificação de Óbito (SVO); e de não se incomodar por acumular quase 300 mortes oficialmente reconhecidas por COVID-19, entre 01 de junho e 12 de agosto de 2020, período do escancarado afrouxamento das medidas de distanciamento físico em Manaus.

Parece cada vez mais claro de que em primeiro lugar vem a economia, em particular o fôlego do Distrito industrial e que medidas como “Lockdown” não teriam mesmo como progredir em Manaus, em que pese o quase solitário esforço do Ministério Público em maio deste ano. Não custa lembrar que o Prefeito de Manaus, Arthur Virgílio Neto, classificou a medida como “extrema”, mesmo diante da inédita e traumática mortandade. Isso sem mencionar a extemporânea obrigatoriedade imposta por ele para o uso de máscaras faciais, algo como chamar os bombeiros depois que o prédio estava em cinzas.

Finalmente, faço questão de reforçar este alerta. Não importa se estamos na primeira ou segunda onda e sim que continuamos perdendo vidas em Manaus. Um dia, a história nos ajudará a entender o papel do judiciário do Amazonas, das autoridades sanitárias, dos políticos e da classe empresarial na configuração desta tragédia sanitária e humanitária!

Jesem Orellana
Epidemiologista – ILMD/FIOCRUZ


  • Imagem: Divulgação

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