Em entrevista à IHU-online, o epidemiologista e pesquisador da Fundação Oswaldo Cruz – Fiocruz do Amazonas, Jesem Orellana, falou sobre o colapso na saúde que o estado do Amazonas está vivendo, representado por descontrole epidêmico, desinformação e mortes.
De acordo com Jesem, foram divulgadas notícias falsas para descontruir os alertas feitos pelos cientistas de perigo com relação ao avanço da Covid-19 no estado do Amazonas. Segundo ele, autoridades declaram que a situação descontrolada em que o estado se encontra, ocorre pela não realização do tratamento precoce. Vale ressaltar que os medicamentos impostos não possuem nenhuma comprovação científica.
“Nas últimas semanas temos tido muitos casos de morte em casa, o que é um reflexo da desassistência e do colapso da rede médica assistencial, responsável pela internação de pacientes graves, que, não raro, precisam de internação e leitos de UTI”, relata o epidemiologista.
Segundo Jesem, a situação da cidade de Manaus, epicentro da epidemia no estado, poderia ter sido controlada.
“É i-na-cei-tá-vel! Porque já tínhamos conhecimento de como evitar a contaminação viral. Não nos ouviram, não ouviram a ciência e acabamos do jeito que estamos agora em Manaus. Um desastre sanitário e humanitário plenamente evitável”.
Ao ser questionado sobre o momento que vive a cidade de Manaus, Jesem afirmou que está ocorrendo um pico explosivo da mortalidade, com a população em pânico, os profissionais de saúde da linha de frente extremamente debilitados – do ponto de vista físico e psicológico – e a sociedade sem saber o que fazer.
Ele cita que antes da pandemia de Covid-19, Manaus tinha uma estrutura de saúde deficitária, com menos de 100 leitos de UTI. A falta de estrutura de saúde gerou essa saturação e o colapso do sistema de saúde estadual.
De acordo com ele, o segundo colapso na rede assistencial de Manaus iniciou no final de outubro, quando houve a primeira superlotação dos leitos de UTI no único hospital de referência para Covid-19 no Amazonas.
A partir disso, segundo o epidemiologista, foi possível ver sinais claros de aceleração da epidemia, a situação da rede hospitalar foi se agravando aos poucos e o hospital Delphina Aziz continuava sendo o único hospital de referência para o tratamento, sempre superlotado.
“Ocorreu que cerca de dez dias depois foram abertos leitos para pacientes de Covid-19 em outros hospitais, mas justamente onde não se deveriam abrir leitos, pois se trata de locais especializados em tratamento de pacientes com câncer, maternidades etc. Apesar de todos esses esforços de improviso para a configuração de leitos hospitalares para pacientes de Covid-19, o sistema está chegando ao limite máximo operacional. Isso significa que não há mais para onde ir. Na prática estamos com toda a rede saturada, tanto a rede Covid-19 quanto a dos demais leitos.”
Para Jesem, a primeira onda teve o momento mais crítico nos meses de abril e maio de 2020, onde a população era totalmente suscetível ao vírus, já que era uma doença emergente, causando um pico explosivo tanto de contágio quanto de mortalidade.
Isso ocorreu pelo fato de que muito pouco se sabia sobre as maneiras e estratégias para evitar que a contaminação fosse tão grande, assim como em relação ao gerenciamento de casos clínicos nas unidades ambulatoriais ou hospitalares.
Em relação à segunda onda de Covid-19 em Manaus, ele afirma que se iniciou em agosto, e a rede de saúde possuía as mesmas condições, isto é, não se preparou adequadamente para atender os pacientes acometidos pela doença.
“É i-na-cei-tá-vel! Porque já tínhamos conhecimento de como evitar a contaminação viral, já tínhamos acumulado a experiência de como estruturar a rede assistencial, tanto na atenção básica como na de média e alta complexidade. Já tínhamos informação suficiente de países exemplares como Nova Zelândia, Uruguai, Cuba, que usaram a testagem em massa como recurso de vigilância epidemiológica laboratorial extremamente efetivo para qualquer onda de contágio de Covid-19.”
O epidemiologista complementa afirmando que houve negligência das autoridades sanitárias e a população foi influenciada pelo negacionismo da epidemia, por crenças que não têm suporte científico, com indicações de medicamentos que não têm eficácia contra a Covid-19.
Com relação à pandemia no Brasil, o pesquisador é categórico ao afirmar que o Brasil tem uma das maiores subnotificações não somente de morte, mas de notificações da doença.
“Quando se diz que fechamos 2020 com um pouco menos de 200 mil mortes, na realidade esse número é muito maior. Um dado alternativo é o número de mortes por Síndrome Respiratória Aguda Grave não especificada reconhecido pelo Ministério da Saúde. Se pegarmos os boletins epidemiológicos do Ministério, eles mostram que durante o ano de 2020 tivemos aproximadamente 80 mil mortes por esta causa no Brasil.”
O epidemiologista estima que o Brasil possua cerca de 260 mil mortos por Covid-19, e, ele ressalta que a subnotificação ocorre por conta do Brasil realizar pouca testagem da doença.
Jesem afirma que a campanha de vacinação contra o vírus irá se estender para 2022.
“É uma questão sobre a qual precisamos refletir bastante. A CoronaVac é uma vacina segura, com uma plataforma tecnológica que nos dá uma certa tranquilidade sobre possíveis efeitos indesejáveis no médio ou no longo prazo, e com uma eficácia limitada.”
“Portanto não é possível chegar à imunidade coletiva até setembro, por inúmeros fatores, seja a quantidade de vacinas, a dificuldade logística, a aplicação de duas doses e o desafio gigantesco de concatenar todas essas atividades, uma vez que se têm demonstrado enormes dificuldades para gerenciar a epidemia de Covid-19 no Brasil.”
No final de sua entrevista, o pesquisador afirmou que o papel do Sistema Único de Saúde – SUS é fundamental para garantir a saúde pública das pessoas, embora ele tenha muitos problemas de subfinanciamento e questões relacionadas à operacionalização.
“De qualquer maneira, ele sem dúvidas tem sido nosso esteio e nossa salvação durante a pandemia. Temos dezenas de milhares de equipes de Estratégia Saúde da Família – ESF, graças ao SUS.”
Ele afirma que nesses momentos de crise e de saturação da rede hospitalar privada e da rede de saúde suplementar, o SUS tem sido a salvação dos ricos e das pessoas que têm plano de saúde, mas não encontraram condições ou vagas para se internarem em hospitais privados.
- Fonte: Instituto Humanitas Inusinos
- Imagem: Divulgação