A professora e pesquisadora Lidiany Cavalcante foi mais uma das entrevistadas ontem (19), em um projeto do Portal Manaós, que traz participantes para debater sobre temas diversos em transmissões ao vivo pela página do Portal no facebook.
A repórter Erica Barbosa levantou o tema da violência sofrida pela comunidade LGBTQI+ a partir do caso ocorrido no sábado passado, onde Manuella Otto teve a vida interrompida após levar um tiro no toráx.
Relembre o caso:
Polícia – Mulher trans é assassinada em motel e PM suspeito continua foragido. ASSISTA AO VÍDEO!
O acusado de ter cometido o crime é um policial militar. O homem se entregou a polícia nesta semana e o caso continua sendo investigado.
“Estamos diante de uma catástrofe silenciosa.”
A professora Lidiany discorre sobre a excepcionalidade do caso, trazendo o contexto de identidade de gênero e as violências sofridas pela comunidade LGBTQI+, especialmente a comunidade trans, por ser a mais vulnerabilizada.
Lidiany explica que a identidade de gênero não está ligada ao sexo biológico, mas a forma de se expressar em sociedade identificando-se ou não com as imposições sociais atribuídas ao órgão genital, diferenciando-se em cissexual, aquele que se identifica com o padrão imposto, e em transexual, aquele que não se identifica com a norma imposta.
A mera existência de pessoas trans mostra o quão preconceituosa a sociedade é. No Brasil, a cada 16 horas uma pessoa transexual morre vítima de assassinato ou em decorrência de suicídio; a média de vida da comunidade é de 35 anos. a pesquisadora afirma: “Estamos diante de uma catástrofe silenciosa.”
O negacionismo que sustenta a atual conjuntura política abre precedente para legitimar a violência contra esses corpos, banaliza e exclui a existência de pessoas trans, refletindo nas estatísticas, que segundo Lidiany, ainda não mostram os números reais de pessoas que são assassinadas, pois, mesmo depois de mortas, continuam tendo o direito a sua existência negado e apagado ao serem lidas por seu sexo biológico.
A pesquisadora utilizou, também, dados que mostram o quanto a pandemia vulnerabilizou ainda mais esse grupo – levando em conta a subnotificação, esses dados são extremamente alarmantes. Em 2019, o Brasil registrou 124 assassinatos de pessoas trans, enquanto em agosto de 2020, foram registrados mais casos que o ano interior inteiro: 129 assassinatos.
Fake news e o desrespeito à memória de Manuela.
Grande parte da mídia noticiou o caso, a priori, desrepeitando a identidade de gênero de Manuela.
Segundo Lidiany, a forma como os portais de notícia se comportaram frente ao caso é algo recorrente. O desrespeito à identidade de Manuela e as fake news que sondam o caso são tidos como uma forma de desqualificar a vítima e a sua morte.
O acusado de assassinar Manuela utiliza das mesmas prerrogativas em sua defesa.
Violência institucionalizada
A pesquisadora analisa as influências conservadoras no Norte e Nordeste, afirmando que, em ambas as regiões a cultura da violência e da intolerância são mais recorrentes devido sua construção histórico-social.
Muitas pessoas transexuais compartilham da mesma vivência violenta em seu ambiente familiar, para a pesquisadora, a solução seria trabalhar com crianças em idade escolar para que a sociedade não tenha adultos violentos. É necessário levar conhecimento às escolas, instruir os adolescentes e até mesmo os profissionais da educação para construir uma sociedade que saiba reconhecer e respeitar as diferenças.
No entanto, sem essas soluções, até mesmo a educação torna-se inviabilizada para esse grupo marginalizado, uma vez que as violências o acompanha em todos os âmbitos. Os números de pessoas transexuais em instituições de ensino superior ainda é muito baixo.
Como consequência, o mercado de trabalho também fecha suas portas, muitas vezes por puro preconceito. Sem casa, família, educação ou oportunidade de trabalho, muitas vezes o que resta é a prostituição.
Lidiany analisa que tudo isso é reflexo, também, da maneira como o Estado brasileiro se constitui, com uma ideia de estado penal, não como um estado social. A política prevalecente nas instituições de poder público e segurança é a da violência, do punitivismo.
Direitos Humanos e a família tradicional
A professora e pesquisadora Lidiany fala também sobre a Declaração Universal dos Direitos Humanos, ela surgiu para que os horrores da segunda guerra não ocorressem novamente. Ela relembra que durante esse período, pessoas que não se encaixavam no ideal de sociedade eram brutalmente assassinadas.
Hoje, observa-se que a população, de certa forma, continua negando a existência do direito à vida às pessoas que “não se encaixam.” Os famosos defensores da família tradicional brasileira são os principais questionadores desses direitos.
A violência contra Manuela Otto e contra todas as tantas outras vidas perdidas por transfobia não podem sair impunes.
Para assistir a entrevista completa basta acessar as redes sociais do Portal Manaós ou clicar no link: https://fb.watch/3Nb8ffese6/
- Fonte: Beatriz Trindade – Portal Manaós
- Imagem: Divulgação