Doenças transmitidas de animais para pessoas, a febre maculosa, a febre Q, as hantaviroses e as arenaviroses apresentam quadro clínico inicial comum a outras infecções, incluindo febre, dor de cabeça ou no corpo e mal-estar. Em meio a epidemias, quando todos os olhos estão voltados para agravos de grande circulação, como dengue ou Covid-19, essas zoonoses são frequentemente esquecidas no momento do diagnóstico dos pacientes, o que leva a atrasos na sua identificação, aumentando o risco de quadros graves e morte.
O alerta para a circulação dessas “doenças zoonóticas invisíveis” está em artigo recém-publicado na revista The Lancet Regional Health – Americas por pesquisadores do Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz). Autora da publicação, a chefe do Laboratório de Hantaviroses e Rickettsioses do IOC/Fiocruz, Elba Lemos, ressalta que a conscientização é fundamental para evitar óbitos. Entre as doenças destacadas no artigo, a febre maculosa e as hantaviroses são as mais frequentes.
Embora não causem epidemias, esses agravos têm impacto importante na saúde pública, principalmente pelo alto índice de mortes. Entre 2010 e 2020, foram confirmados mais de 1,9 mil casos de febre maculosa no Brasil, com 679 óbitos, o que significa uma taxa de letalidade de 35%. No mesmo período, 996 infecções por hantavírus foram confirmadas, com 414 mortes, o que corresponde a uma taxa de letalidade de 41%.
Risco após enchentes
Considerando o risco de transmissão de zoonoses após a tragédia causada pelas chuvas em Petrópolis, na Região Serrana do Rio de Janeiro, a atenção deve ser redobrada. “Animais resgatados após as chuvas podem estar com carrapatos, que são transmissores da bactéria Rickettsia rickettsii, causadora da febre maculosa. É muito importante ter cuidado no momento do resgate e tratar os animais com carrapaticida”, diz a cientista, lembrando que, em 2011, quando municípios da Região Serrana foram devastados por fortes chuvas, cinco pessoas morreram de febre maculosa após lidar com cães resgatados.
Elba destaca ainda que outras zoonoses estão associadas às chuvas, especialmente a leptospirose, causada pela bactéria Leptospira, eliminada na urina de ratos, que pode infectar pessoas que entram em contato com a água das enchentes. “Dependendo do histórico relatado pelo paciente, estas doenças precisam ser consideradas no momento do diagnóstico diferencial em casos com manifestações clínicas inespecíficas, como febre”, completa Elba.
Por serem transmitidas de animais para pessoas, as zoonoses apresentam contextos de risco específicos, que propiciam a exposição humana aos microrganismos. Assim, além de conscientizar os profissionais de saúde, é essencial conhecer as áreas de circulação dos patógenos e os animais que atuam como reservatórios para facilitar o diagnóstico precoce das infecções.
No artigo, os cientistas destacam que o baixo índice de diagnósticos faz com que o impacto de algumas zoonoses seja subestimado, o que reforça a necessidade de ações de vigilância e de pesquisa. “Precisamos mapear os locais em que há presença dos agentes infecciosos zoonóticos para que o sistema de saúde esteja preparado. Por isso, a vigilância e a pesquisa são tão importantes. É um conhecimento para a ação”, salienta Elba.
Para demonstrar o impacto das zoonoses esquecidas, o artigo relata surtos recentes que se tornaram alvo de investigações do Laboratório de Hantaviroses e Rickettsioses do IOC/Fiocruz, que atua como Referência Nacional para Rickettsioses e Regional para Hantaviroses junto ao Ministério da Saúde. Além da febre maculosa e das hantaviroses, são abordadas: arenaviroses, febre Q e bartoneloses.