Com a proximidade das eleições de 2022, é salutar aos eleitores estarem “antenados” com os riscos da manipulação contra si. Em tal contexto, uma das formas de controle popular é o domínio por meio do discurso. Dentre tais “artimanhas” do discurso se encontra o uso genérico e globalizante da “vontade do povo”.
A manipulação discursiva de apresentar o povo como um todo “uniforme” e “homogêneo” é também típica de regimes autoritários pois, servindo-se de um conceito de povo como se fosse uma entidade mítica e supra-humana, busca-se legitimar a vontade do próprio governante – bem como de seus apoiadores e simpatizantes.
No cenário aqui discutido, o jurista alemão Friedrich Müller (1938) no seu livro intitulado “Quem é o povo?” traz classificação dos usos semânticos da palavra “povo” – “povo ativo”, “povo legitimante”, “povo destinatário”, “povo participante” e “povo ícone”, este último interessando a esta breve crítica.
Por “povo ícone”, Müller descreve o uso meramente retórico da palavra povo – um malicioso e propositado “blá-blá-blá” para expor informalmente aqui. Para o jurista germânico, o “povo ícone” é um “mito” utilizado para uniformizar disfarçadamente vontades populares múltiplas e para homogeneizar forçadamente uma população heterogênea. Assim, o discurso político usaria a “magia” da palavra como estratégia político-discursiva para alcançar seus mais variados desejos e realizar uma “captura psicológica” dos possíveis eleitores.
Desse modo, quando um político apresenta seu discurso e plano de governo como “vontade do povo”, desconfie – é o mínimo a se fazer ao lado da pesquisa de informações confiáveis. Em sociedades plurais como o Brasil, os integrantes do povo tem os mais variados interesses, qualificando-se como um heterogêneo e colorido “povo mosaico” – feliz expressão do economista e cientista político austríaco Joseph Schumpeter (1883-1950).
Por isso, ao fim, é necessário recomendar a nós, eleitores, a reflexão contínua sobre para “que” povo discursa o político. “Quem” é de fato o “povo-destinatário” de determinadas propostas políticas? Ou ainda melhor: o conceito de povo ocultamente adotado pelo candidato, de fato, é ou não inclusivo e compatível com uma sociedade plural e não uniforme como se tem no Brasil? A reflexão urge.
Por Maurilio Casas Maia