Uma onda de renúncias tomou o governo do Reino Unido, com no mínimo 37 demissões de ministros e secretários desde ontem, fazendo o primeiro-ministro britânico, Boris Johnson, balançar no cargo.
No final da tarde (início da tarde no Brasil), dois grupos de membros do Gabinete foram ver o premier na sede do governo em Downing Street, informou o jornal The Times: um grupo era de lealistas a Boris, que desejam sua permanência no cargo, e outro grupo de rebeldes, que desejam que ele saia e ameaçam renunciar se não o fizer.
Boris sobreviveu a um voto de desconfiança no Partido Conservador no começo de junho, conquistando 59% dos votos a seu favor. De acordo com as regras partidárias, quando sobrevivem a uma destas votações, os líderes do partido não podem ter o cargo posto à prova de novo durante um ano.
Muitos conservadores, no entanto, estão pedindo a mudança das regras partidárias, para acabar com essa imunidade. Uma reunião do grupo que decide as regras do partido, chamado de Comissão 1922, estava marcada para às 13h de Brasília, mas foi adiada porque, segundo a imprensa britânica, alguns de seus membros consideram a queda de Boris inevitável.
Publicamente, no entanto, o premier acredita que pode sobreviver e permanecer no cargo. Pela manhã, compareceu ao Parlamento para a sessão semanal de perguntas e respostas com os integrantes do Legislativo, e se manteve desafiador, embora sob forte pressão dos deputados.
Questionado pelo deputado conservador Tim Loughton se acreditava haver alguma circunstância na qual um premier deve renunciar, Boris respondeu:
— O trabalho de um primeiro-ministro em circunstâncias difíceis, quando lhe foi entregue um mandato colossal, é continuar. É isso que vou fazer.
O premiero-ministro britânico é confrontado desde o final de 2021 com o escândalo conhecido como “partygate”, da realização de festas na sede do governo durante a quarentena contra a Covid-19. É também acusado de adotar posição leniente diante de denúncias de má conduta de aliados, como Chris Pincher, que nomeou como vice-chefe do governo no Parlamento. Além disso, o Reino Unido passa por um momento econômico difícil, com queda do PIB por dois trimestres neste ano, inflação alta e greves.
As demissões começaram na terça-feira à noite, quando dois dos funcionários mais experientes do governo, o ministro do Tesouro, Rishi Sunak, e da Saúde, Sajid Javid, pediram demissão, alegando que Johnson perdera a capacidade de liderar o Reino Unido.
Até agora, entre os 20 membros do Gabinete — isto é, quem lidera pastas — apenas a dupla se desligou. Mas as demissões já alcançaram 15 ministros de Estado (o equivalente ao segundo escalão), ministros adjuntos e secretários.
Entre os nomes que se somaram à debandada nesta quarta-feira estão a ministra da Justiça, Victoria Atkins, que disse em sua carta pública de demissão que não pode “mais fazer piruetas em torno de nossos valores fraturados”; o ministro para as Crianças, Will Quince; e o das Escolas, Robin Walker.
Boris, no entanto, ainda conta com o apoio de membros influentes do Gabinete, como a ministra de Relações Exteriores, Liz Truss, o ministro de Defesa, Ben Wallace, e o ministro dos Negócios, Kwasi Kwarteng. Ontem, ele indicou Nadhim Zahawi para assumir a pasta do Tesouro, e Steve Barclay para a Saúde.
O demissionário Javid — que, assim como Sunak, é cotado para assumir a liderança conservadora caso Boris deixe o cargo — fez um discurso duro no Parlamento hoje. Ele disse que “instituições e integridade” sustentam a democracia britânica, e que sempre se considerou um “jogador de equipe”.
— Mas pisar na corda bamba entre lealdade e integridade tornou-se impossível nos últimos meses. E nunca correrei o risco de perder minha integridade.
Javid, que ao renunciar deixou clara suas divergências com Boris sobre as melhores políticas a adotar para enfrentar a crise econômica, disse que a “filosofia do Partido Conservador está em jogo”.
— Os valores conservadores estão em risco —afirmou.
As duas demissões na terça-feira aconteceram minutos depois de o primeiro-ministro pedir desculpas por indicar Chris Pincher para o governo. Pincher, que está suspenso desde a semana passada, enquanto ocorre uma investigação independente, atualmente enfrenta seis acusações de comportamento sexual impróprio, incluindo a bolinação de homens. O primeiro-ministro admitiu que cometeu um “erro grave” ao não ter tomado nenhuma ação mesmo tendo sido avisado em 2019 desse comportamento.
Na sessão desta quarta-feira, o líder trabalhista Keir Starmer leu o testemunho de um homem que acusou o ex-ministro conservador de agressão sexual. Geralmente movimentado, o Parlamento ficou em silêncio para ouvir a denúncia.
— Eu entendo que não é algo fácil de ouvir, mas esse é um lembrete para todos aqueles que apoiam este primeiro-ministro do quão grave é esta situação — afirmou.
Boris respondeu que, quando recebeu a informação da denúncia, agiu imediatamente”.
*Gazeta do Povo
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