Destacando não se tratar de caso de anencefalia, o ministro Jorge Mussi, do Superior Tribunal de Justiça, indeferiu pedido de Habeas Corpus impetrado em favor de uma mulher para que ela pudesse interromper a gestação de gêmeos siameses.
O pedido de autorização havia sido negado em primeiro grau, e o relator no Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJ-RS) não conheceu do pedido de HC interposto pela defesa da gestante. O recurso no STJ era contra essa última decisão.
Segundo os autos, a gestante correria risco de morrer se fosse mantida a gravidez dos gêmeos xifópagos, que apresentam diversas malformações e não têm chances reais de vida extrauterina.
Perante o STJ, a defesa alegou que, embora a condição de gêmeos siameses não autorize, por si só, a interrupção da gravidez, a hipótese se assemelha aos casos de fetos com anencefalia, cujo aborto foi permitido pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento da Arguição de Descumprimento de Direito Fundamental 54.
Subsidiariamente, pediu que fosse determinado ao TJRS, em caráter emergencial, o conhecimento e o processamento do habeas corpus ali impetrado.
Sem decisão colegiada
Para o relator, ministro Jorge Mussi, não houve no caso o necessário exaurimento da instância antecedente, o que impede a análise do pleito pelo STJ, sob pena de indevida supressão de instância.
“Verifica-se que a impetrante se insurge contra decisão monocrática proferida por integrante da corte estadual, que não conheceu do mandamus originário. Assim, seria cabível a interposição de agravo regimental, de modo a submeter o decisum à apreciação pelo órgão colegiado competente, e não inaugurar, per saltum, a via recursal no tribunal superior”, afirmou o relator.
Mussi acrescentou que o pedido subsidiário feito pela defesa para determinar que o TJ-RS aprecie o mérito do habeas corpus que não foi conhecido também não pode prosperar.
“Isso porque não há ilegalidade a ser sanada na decisão que deixa de conhecer da impetração por se tratar de situação complexa que demanda melhor exame das provas”, observou. Com informações da assessoria de imprensa do Superior Tribunal de Justiça.
Segundo laudo médico, as gêmeas da paciente são unidas por um tronco único e duas cabeças. Na região do tórax, elas compartilham os pulmões. Foi observado ainda dois corações muito próximos que dividem a mesma artéria aorta. Na região abdominal, os fetos apresentam um único fígado e dois estômagos, além de uma mesma bexiga e dois rins.
“Portanto, devido ao fato de haver um tronco único e o compartilhamento de uma série de órgãos nobres, a separação dos gêmeos após nascimento se torna inviável e o caso foi considerado incompatível com a vida pelos especialistas em medicina fetal do nosso hospital. Nos casos em que a gestação prossegue é frequenta o aparecimento de complicações como polidrâmnio (aumento do líquido amniótico), somando-se ao fato de a paciente já ter realizado cesarianas prévias, o risco de uma ruptura uterina com o prosseguimento da gestação fica potencializado. Além disso, a manutenção da gestação aumenta o risco da paciente desenvolver complicações sérias como doença hipertensiva (hipertensão específica da gestação) e diabetes gestacional. Portanto, a continuidade da gestação, por si só, determinar um risco potencial à saúde materna”, concluiu o laudo.
MPF enviou parecer favorável ao aborto
No processo, foi anexado um parecer da subprocuradora-geral da República, Maria Caetana Cintra Santos, onde ela afirma que, analisados os exames apresentados, revela-se urgente a necessidade de interromper a gravidez.
“Não se está a desmerecer a vida intrauterina e o direito do nascituro. Porém, a eventual criminalização do aborto em casos como dos autos, em que as instâncias precedentes não analisaram o pleito, seja pela complexidade da matéria, seja por supressão das instâncias, acaba por violar diversos direitos fundamentais da mulher, em especial o seu direito à vida, exposto pela gravidez de risco, além de não observar suficientemente o princípio da proporcionalidade”, diz a subprocuradora-geral no ofício.
“Não se está a desmerecer a vida intrauterina e o direito do nascituro. Porém, a eventual criminalização do aborto em casos como dos autos, em que as instâncias precedentes não analisaram o pleito, seja pela complexidade da matéria, seja por supressão das instâncias, acaba por violar diversos direitos fundamentais da mulher, em especial o seu direito à vida, exposto pela gravidez de risco, além de não observar suficientemente o princípio da proporcionalidade. Diante do exposto, manifesta-se o Ministério Público Federal pelo provimento do agravo regimental interposto, para conceder a ordem pleiteada”, conclui.
Aborto no Brasil
O Brasil é um dos países com leis sobre aborto legal com mais limitações. Poucos são os casos permitidos pelo Código Penal e, mesmo nessas situações autorizadas, especialistas afirmam que situações de desrespeito à legislação são recorrentes. Conversamos com especialistas #PraEntender em que casos o aborto é permitido no Brasil e o que ocorren na prática quando uma mulher que tem direito a essa procedimento procura uma unidade de saúde.
A legislação brasileira não estabelece prazo gestacional para a realização do aborto. São permitidos legalmente dois casos; quando a gestação traz risco à vida da mãe ou quando a gravidez é decorrente de um estupro.
- Fonte: Revista Cenarium
- Fonte: Divulgação