sábado, outubro 5, 2024

Artigo Opinião – Indumentária feminina e a imagem da mulher nos espaços públicos

Um dos assuntos mais comentados na imprensa nacional e internacional no último dia 1º de janeiro de 2023, foi a posse do então presidente Luíz Inácio Lula da Silva. A mudança de um governo em determinado país sempre é vista com cautela pelos lideres de governo dos demais países. As relações internacionais entre as nações são de suma importância para o bom desenvolvimento político, econômico e social entre elas, e levando em consideração a delicada conjuntura política do qual não só o Brasil, mas vários outros países se encontram após uma pandemia, a restruturação da nossa economia precisa ser tradada de forma emergencial pelo nosso atual governo. Sabemos que todas as demais áreas são importantes, e atualmente, podemos dizer que tivemos um verdadeiro efeito dominó nas áreas da Saúde, Educação, Segurança, Ciência & Tecnologia, que tiveram parte de seus investimentos cortados.

Contudo, o que me traz aqui não é abordar este assunto em específico, ou seja, o da economia brasileira. Deixo essa discussão aos nossos brilhantes colunistas do Portal O Convergente. Porém, um outro assunto que também não deixou de ser muito comentado pela imprensa, rede social e porque não dizer, pelos sites sensacionalistas e misóginos, foi a tão inesperada indumentária usada pela primeira-dama Rosângela da Silva, a Janja.

A primeira-dama do Brasil foi um dos destaques no dia da cerimônia de posse e, dessa vez, não foi a imagem da bela, recatada e do lar, frase que estourou na internet e capa de uma revista brasileira quando Marcela Temer torna-se primeira-dama do Brasil no governo de Michel Temer, seu esposo em 2016, que fez Janja prender os olhares da imprensa para si.

Bem diferente também da indumentária usada por Michelle Bolsonaro, um vestido rosé, em cerimônia de posse do ex-presidente Jair Messias Bolsonaro, em 1º de janeiro de 2019, a atual primeira-dama Janja, como ficou conhecida, resolveu quebrar protocolos sociais ao subir a rampa presidencial com um terninho feito em crepe de seda, idealizado pelas estilistas Helô Rocha e Camila Pedrosa, com bordados feitos pelas bordadeiras de uma região do Rio Grande do Norte.

O uso do terninho não agradou muita gente e os comentários trazem posicionamentos polarizados, visto que, a vestimenta simbolizava uma afronta à imagem da mulher no espaço público, mas não qualquer mulher, mas a primeira-dama do Brasil que assim como qualquer mulher dentro da divisão dos papéis sexuais que delega às mulheres a seguir os critérios da “beleza e da elegância”, teria que obrigatoriamente usar um vestido, por ser considerado o “mais adequado”.

Ocorre que até hoje, a sociedade ainda se vê obrigada a seguir e obedecer a códigos de urbanidade que ditam o que uma mulher “decente” deve fazer e o que deve evitar. Até o século XVIII, na França, a ordenação Imperial proibia o uso de calças por mulheres por não ser considerado sinal de feminilidade. A mulher burguesa se distinguia da mulher do povo através dos seus belíssimos chapéus e, aos poucos, novos códigos da divisão de papéis sexuais começavam a surgir.

Ocorre que a presença das mulheres nos espaços públicos sempre foi problemática, com relação aos espaços de poder político, chega a ser bem mais polêmico pelo medo que uma sociedade, ainda muito machista e misógina, tem da influência delas na política. Por séculos, as mulheres viveram presas nas representações de que devem ser criadas para a família, para serem domésticas, mães, esposas e donas de casa. Essas representações, como bem explicita a historiadora francesa Michelle Perrot (1998, p.9), “esses medos atravessam a espessura do tempo se enraízam num pensamento simbólico da diferença entre os sexos”.

Não muito distante, em 1979, chegava ao Senado Federal, a primeira mulher para ocupar uma vaga de senadora do Brasil. O espaço físico sequer foi pensado para receber uma mulher que nem banheiro feminino tinha. A imprensa, durante todo o seu mandato, sequer procurou saber sobre suas propostas e projetos, e naquele momento, o alvo era publicar a boa aparência da primeira senadora do Brasil.

Em entrevista a mim concedida em 2016, para o meu livro que conta a história de vida e política da ex-senadora Eunice Michiles, a mesma relatou que a exigência da imprensa sobre a aparência dela era muito grande e tinha que estar quase que diariamente no salão. As décadas de 1970 e 1980 também ficaram conhecidas por outro tipo de ditadura, a da alta costura, comandada por Clodovil, Dener e Matteo Amalfi, considerados os poliglotas da moda, os quais foram estilistas de grandes esposas de políticos, como Nicéia Pitta, Rosane Collor e Sylvia Maluf. O historiador Gérard Lebrun nos diz que “a mulher no espaço público tem quase o dever de beleza”.

Um exemplo muito forte de poder sobre a imagem da mulher é a mídia que reforça a reprodução da concepção machista que exclui as mulheres dos espaços de poder a exemplo da política, quando apresenta a imagem do feminino como ser fútil, incapaz de administrar, coordenar ou dialogar. Partindo dessa concepção, a imagem de uma primeira-dama deve estar ligada somente à beleza, delicadeza e ao comportamento retraído.

Janja é uma cientista social, formada pela Universidade Federal do Paraná (UFPR) e MBA em Gestão Social e Desenvolvimento sustentável. A indumentária usada pela primeira-dama simboliza o empoderamento feminino, a coragem, a força de uma mulher brasileira que não se permite ser diminuída pelo o seu gênero. Uma mulher não pode ter sua capacidade questionada pelo simples fato de não está vestida conforme as normas e padrões sociais de beleza.

As mulheres estão por mudar o percurso de sua história, o direito ao voto foi o começo de uma nova era e estamos a caminhar para que outras mulheres se sintam representadas e não somente a bela, recatada e do lar, mas todas aquelas que enfrentam toda uma sociedade para se fazer presente em espaços de poder, a exemplo da política. E quanto ao vestir das calças, homens não temam, nossa capacidade independe das vestes que nos cobre.

Abraço a todas todos e até a próxima!

Por Michelle Vale – Assistente Social, Mestra em Sociedade e Cultura na Amazônia (UFAM), Especialista em Antropologia Social membro do Grupo de Estudos e Pesquisa Laboratório de Gênero da Universidade Federal do Amazonas.

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