Os deputados da Assembleia Legislativa do Amazonas (Aleam) aprovaram, na quarta-feira (30/8), o Projeto de Lei n° 99/2023, que proíbe o uso da denominada “linguagem neutra” e “dialeto não binário” na grade curricular e no material didático de instituições de ensino público ou privado do Estado. A proposta seguirá para a sanção do governador Wilson Lima.
A proposta, que é de autoria de Débora Menezes (PL) e João Luiz (Republicanos), recebeu votos contrários de Alessandra Campêlo (Podemos), Comandante Dan (Podemos), Carlinhos Bessa (PV) e Joana Darc (União Brasil).
O texto do documento informa que o “Projeto de Lei nº 99/2023 VEDA expressamente a utilização da denominada “linguagem neutra”, do “dialeto não binário” ou de qualquer outra expressão que descaracterize o uso da norma culta da Língua Portuguesa, na grade curricular e no material didático de instituições de ensino público ou privado e, em documentos oficiais das instituições de ensino e repartições públicas, no âmbito do estado do Amazonas.”
“Fica garantido aos estudantes do estado do Amazonas o direito ao aprendizado da língua portuguesa de acordo com as normas e orientações legais de ensino estabelecidas com base nas orientações nacionais de Educação, pelo Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa (Volp) e da gramática elaborada nos termos da reforma ortográfica ratificada pela Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP)”, diz um dos trechos da matéria.
Votaram contra
Durante seu voto contrário ao projeto, a deputada Alessandra Campêlo falou que a proposta é inconstitucional. “Na verdade, a linguagem neutra já é proibida, constitucionalmente, porque não faz parte da norma culta da língua. É proibido ser utilizado em qualquer material didático ou qualquer material oficial. O STF (Superior Tribunal de Justiça) já tem uma decisão de que isso não é competência dos estados, no caso das assembleias legislativas. Este é um projeto que eu considero redundante e não tem valor por ser inconstitucional”, explicou a parlamentar.
O projeto também prevê punições às instituições de ensino privadas e aos profissionais de educação, que ministrarem os conteúdos aos estudantes. Segundo a proposta, ficará à cargo da Secretaria de Educação do Estado (Seduc) e às instituições de ensino fomentar iniciativas de valorização da Língua Portuguesa.
Especialistas
O professor da UFAM e doutor em linguística e psicólogo de formação Sérgio Freire falou sobre a decisão, “como linguista, como professor universitário há mais de 30 anos, e como ex-subsecretário municipal de educação de Manaus, eu vejo essa lei com olhos muito assustados pela aberração que ela é, essa lei é de vários equívocos, em todas as formas possíveis, então ela tem um equívoco de competência, porque só quem pode legislar sobre conteúdo escolar é o Federal, então é de fato uma lei inconstitucional, foi apontado pela deputada Alessandra Campelo e outros deputados que votaram contra a lei de comissão e justiça, além disso é uma lei cheia de equívocos conceituais, fala em linguagem neutra, fala em dialeto não-binário, fala em norma culta, fala em grade curricular, e são termos que não se usa mais dentro das áreas, né? A linguagem chamada neutra que, de neutra não tem nada, é uma linguagem de posicionamento político dos grupos menorizados. Não é um dialeto para começar, a gente não fala de língua culta mais. Há muito tempo, fala de norma padrão que é aquela língua que os alunos têm que estudar na escola. É o único lugar onde vão aprender a norma padrão. Há uma confusão imensa sobre o conceito de linguagem aí, eu penso que a deputada que propôs deveria ter feito a lição de casa e consultado alguém da área para evitar cometer tantos equívocos como corromper a língua, partindo de um pressuposto de que há uma língua pura. A lei cria a figura do crime linguístico que é uma aberração, quem vai punir isso? Nós tivemos isso no Brasil na época do Getúlio Vargas, na época da guerra, além do fato de dizerem em um trecho que a linguagem é ideológica, como se a lei não fosse ideológica, não é sobre a língua que se fala, é sobre seus falantes”.
A Mestranda em Letras – Língua e Literatura Portuguesa na área de Teoria e Análise Linguística do Programa de Pós-graduação da Universidade Federal do Amazonas, Vanessa Santos também comentou sobre essa possível aprovação, “A aprovação deste projeto de lei pelos deputados do Amazonas nos mostra o quanto os estudos da linguagem carecem de divulgação de informações. Não só isso, mas também escancara a desinformação sobre a rotina numa sala de aula.
É simplesmente um projeto de lei para vedar a utilização de algo que não existe e se quer é comprovado que existe na sala de aula.
A escrita do projeto de lei já demonstra a pobreza de conceitos básicos sobre linguagem, quando diz “a presente propositura visa garantir aos estudantes do Estado do Amazonas, o direito ao aprendizado da língua portuguesa de acordo com as normas e orientações legais de ensino”. Traz uma referência para se falar de língua, quando se há várias. Deixa de escanteio, portanto, um dos maiores documentos oficiais nos quais os professores se baseiam: a Base Nacional Comum Curricular. De acordo com esse documento oficial, a língua não se define à norma culta, é, por sua vez, “uma forma de ação interindividual orientada para uma finalidade específica; um processo de interlocução que se realiza nas práticas sociais existentes numa sociedade, nos distintos momentos de sua história” (BRASIL, 1998, p. 20). Diante disso, a norma culta de que trata o projeto de lei é só uma das muitas variedades da língua portuguesa. Esse é só um dos problemas deste projeto de lei, o maior, na verdade, é vedar algo que não está presente na realidade das salas de aula. Isso só nos mostra a relevância da pesquisa científica antes de quaisquer decisões.”
- Por Redação Convergente com colaboração de Sérgio Freire e Vanessa Santos
- Foto: Divulgação / Ilustração: Marcus Reis