domingo, novembro 24, 2024

Plenário reconhece conduta vedada de Bolsonaro por ‘live’ em 2022

Decisão foi por maioria de votos e não abrange a alegação de abuso de poder

Na sessão de terça-feira (17/10), o Plenário do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) reconheceu a prática de conduta vedada pelo então presidente da República e candidato à reeleição nas Eleições 2022, Jair Bolsonaro, em live realizada no dia 21 de setembro de 2022 no Palácio da Alvorada. No entanto, os ministros consideraram que não houve a prática de abuso do poder político.

A maioria do Colegiado acompanhou o relator, ministro Benedito Gonçalves, que votou pela improcedência da Ação de Investigação Judicial Eleitoral (Aije) 0601212-32. O corregedor-geral da Justiça Eleitoral entendeu que ficou configurado o uso do Palácio da Alvorada para a realização de ato de campanha do então candidato, consumando-se a conduta vedada do artigo 73, inciso I, da Lei nº 9.504/1997 (Lei das Eleições). Contudo, considerou que não houve a prática de abuso do poder político, conforme alegava o Partido Democrático Trabalhista (PDT).

A Aije pedia a inelegibilidade de Bolsonaro e de seu vice na chapa, Walter Braga Netto, por conduta vedada e abuso do poder político, caracterizados pela suposta exibição de material de campanha e pedido de votos durante a transmissão da live, realizada dentro da biblioteca do Palácio da Alvorada, “utilizando aparato estatal, inclusive custeado com dinheiro público”.

No voto, o relator propôs a fixação de duas teses: uma sobre a interpretação do artigo 73, parágrafo 2º, da Lei das Eleições, levando em consideração o resguardo à dimensão simbólica de bens públicos imateriais; e outra quanto à possibilidade de aplicar multa por conduta vedada em Aije. A análise das teses será retomada na sessão de quinta-feira (19).

Veja como votou cada ministro:

  • Benedito Gonçalves (relator):

Ao analisar os argumentos da acusação, o relator reconheceu que havia provas de que a transmissão foi feita em ambiente restrito a Bolsonaro em virtude do cargo que ocupava, o que se enquadraria em conduta vedada. Todavia, votou pela improcedência da Aije ao entender que não houve gravidade o suficiente para interferir no equilíbrio da eleição.

Segundo Benedito, o uso da biblioteca do Palácio da Alvorada não teve nada de trivial. “A live de 21/09/2022 forçou um contraste: de um lado, um recinto histórico e institucional da Presidência da República, que está acima das disputas partidárias; e, de outro, uma atuação eleitoral ostensiva dos participantes, com exibição de santinhos, pedido de votos e participação de candidato regional”, disse o relator.

“Tratar a imponente biblioteca como um “pano de fundo”, algo que nem mesmo teria sido notado pelo ex-presidente e seu convidado, força um excesso de familiaridade do candidato à reeleição e de seus aliados com a posição de poder do Presidente da República. No limite, a ideia é de confusão entre o público e o privado; entre o institucional e o eleitoral”, acrescentou Benedito.

O ministro disse que, após a proibição do uso dos Palácios Presidenciais para a realização de lives eleitorais, por decisão liminar, essa medida foi cumprida pelo investigado.

“Ao indeferir a aplicação de multa pelo descumprimento, enfatizei que o novo local da live, ao contrário da biblioteca do Palácio da Alvorada, não possuía elementos distintivos da Presidência da República. Também não se teve notícia de outras lives nos Palácios”, acentuou o relator no voto.

Segundo Benedito, isso prova a relevância da dimensão preventiva da Aije para inibir a continuidade da conduta vedada e o agravamento do dano. “Ainda que não se possa definir a exata dimensão que o ilícito, sem controle, poderia alcançar, fato é que a pronta atuação do TSE foi suficiente, no caso concreto, para inibir os efeitos anti-isonômicos da conduta”, disse o magistrado.

O ministro determinou que pareceres da Assessoria de Exame de Contas Eleitorais e Partidárias do TSE (Asepa/TSE) e depoimento da testemunha sejam encaminhados para que os relatores examinem as prestações de contas eleitorais apresentadas pelo então candidato, por seu partido ou pelos partidos coligados.

  • Raul Araújo

Ao votar em seguida, o ministro Raul Araújo cumprimentou o relator pelo “excelente voto” e o acompanhou quanto à improcedência do pedido.

  • Floriano de Azevedo Marques

Abrindo divergência parcial em relação ao voto do relator, o ministro Floriano de Azevedo Marques votou pela aplicação de multa de R$ 10 mil a Bolsonaro, ao reconhecer que houve prática de conduta vedada. “Não se está a autorizar que o mandatário candidato à reeleição transforme a residência em comitê de campanha”, declarou. No mérito, o ministro também reconheceu que não houve abuso de poder político.

  • Ramos Tavares

No mesmo sentido, o ministro André Ramos Tavares divergiu parcialmente do relator. Ele julgou procedentes os pedidos para aplicar a multa de R$ 20 mil, somente a Bolsonaro. Segundo o ministro, foi possível constatar uma abusiva estratégia, diante do eleitorado, a partir do uso de bens móveis e imóveis pertencentes à Administração Pública direta em benefício de Bolsonaro. Para o ministro, o então candidato e presidente da República se utilizou desse aparato em “franca confusão entre público e privado” para praticar atos próprios de campanha, caracterizando a ilegalidade da conduta.

  • Nunes Marques

O ministro Nunes Marques acompanhou o relator integralmente. Em seu voto, ele destacou que o principal ponto afastado por Benedito Gonçalves refere-se à não violação do princípio da não surpresa. “Há a necessidade de se defender o que está na inicial”, disse. Ele ainda destacou que “fica clara a intenção retratada no veredito deste Tribunal de que deve ser evitado, nessas ocasiões [como a do caso em análise], o uso de prédio público e residência oficial”.

  • Cármen Lúcia

Ao votar com o relator, a ministra destacou que o cenário está muito caracterizado, pois houve uma live em que se comprova nos autos a utilização do espaço. “Não apenas do espaço, mas também da própria imagem de bens voltados especificamente para a finalidade eleitoral, em benefício do candidato e de terceiro e, por isso mesmo, caracteriza o que já foi reiterado: que, numa República, coisa pública não é propriedade de quem dela eventualmente usa para finalidade específica”, ressaltou.

Para a ministra, no caso de residências oficiais há uma situação muito peculiar no Brasil, que é uma República, mas com possibilidade de recandidatura. “Portanto, a pessoa ali está no exercício do cargo público e em alguns momentos atua como candidato. E, no caso, isso ficou bem caracterizado”, lembrou.

Cármen Lúcia afirmou que, nesse caso, ficou comprovada a conduta vedada, mas alertou que, para a caracterização do abuso de poder, deveria ser provada não apenas a reprobabilidade como também a gravidade. “E é esse o dado que não foi considerado devidamente comprovado. Não há extensão suficiente com proporcionalidade e razoabilidade para que se tivesse a consequência pedida para procedência dessa ação”, afirmou, ao concluir pela improcedência.

  • Alexandre de Moraes

Para o presidente do TSE, ministro Alexandre de Moraes, o uso do Palácio da Alvorada para promoção da própria candidatura e em prol da campanha de terceiros por Bolsonaro ficou configurado no caso hoje debatido pela Corte Eleitoral.

Ele destacou que o ato não gerou uma repercussão maior, capaz de desequilibrar o pleito, graças à concessão da liminar pelo ministro Benedito em 24 de setembro de 2022 e posterior referendo da medida pelo Plenário no dia 27 do mesmo mês. “Se não houvesse, naquele momento, ação, se fossem repetidas essas lives, isso certamente geraria, a meu ver, uma procedência e uma inelegibilidade”, analisou.

Íntegra do voto do ministro Benedito Gonçalves (sem revisão).

Íntegra do voto do ministro Floriano de Azevedo Marques (sem revisão).

Íntegra do voto do ministro Ramos Tavares.

BA, JL, JV, MC, MM, RS/LC, DM

Processo relacionado: Aije 0601212-32.2022.6.00.0000


  • Da Redação

 

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