Por Érica Lima — Pesquisadora na Amazônia há mais de uma década
No coração da floresta amazônica, onde a esperança nasce da resistência, a ciência deveria ser um farol. Mas o que acontece quando instituições criadas para formar mentes críticas se perdem em disputas internas, alimentadas por vaidades e ambições que esquecem o real propósito do ensino e da pesquisa?
Hoje, em muitas instituições de ensino e pesquisa instaladas no estado do Amazonas e na região amazônica, testemunhamos um processo silencioso de esvaziamento: a missão científica e social é abandonada à medida que jogos internos de poder e disputas por prestígio corrompem o ambiente acadêmico.
A pós-graduação, especialmente nos programas lato e stricto sensu, deveria ser espaço de formação ética e florescimento intelectual. Em vez disso, para muitos estudantes, tornou-se um campo de batalhas invisíveis de adoecimento, exploração e desilusão. E isso se torna pior, quando são instituições publicas estaduais e federais.
O adoecimento que cresce no silêncio
O estudo da Associação Nacional de Pós-Graduandos (ANPG, 2022) revela que 68% dos pós-graduandos brasileiros sofrem sintomas graves de ansiedade e 52% apresentam depressão moderada ou grave. No contexto amazônico, o cenário pode ser ainda mais severo. A distância dos grandes centros, o isolamento geográfico e a ausência de suporte institucional podem reforçar a sensação de abandono, sofrimento e dor.
Estudos como o de Levecque et al. (2017) demonstram que um em cada três doutorandos enfrenta riscos elevados de doenças mentais, realidade intensificada quando a luta diária é permeada por solidão, exploração e medo. E quando não tratado, isso pode ser ainda mais doloso.
O Discente caboclo: Entre a esperança e a desilusão
O estudante amazônida, muitas vezes vindo de realidades ribeirinhas, indígenas, caboclas e periféricas, chega às instituições de pesquisa carregando o sonho genuíno de fazer ciência para mudar seu mundo e o mundo ao redor. No entanto, o que encontra é, muitas vezes, um ambiente tóxico: pesquisadores admirados se transformam em opressores, e a ciência, que parecia redentora, revela sua face amarga.
Cada tarefa imposta além do projeto de pesquisa, cada exploração intelectual não reconhecida, cada humilhação silenciosa mina o sonho e ergue o muro da desilusão.
Byung-Chul Han, em A Sociedade do Cansaço (2015), descreve como a lógica da hipercompetição e do auto-esgotamento adoece os sujeitos. Pierre Bourdieu, em suas análises sobre o campo científico, alerta: onde o prestígio é mais importante que a solidariedade, o conhecimento perde sua função pública. Infelizmente, esse alerta ecoa dolorosamente na Amazônia de hoje.
Isolamento Geográfico e Institucional: Uma solidão em dobro
Na Amazônia, o isolamento não é apenas físico é também simbólico e emocional.
A falta de redes de apoio, a distância dos eventos acadêmicos nacionais, o acesso precário a serviços de saúde mental: tudo contribui para uma sensação de invisibilidade.
E quando o próprio ambiente institucional silencia denúncias de abuso, o estudante aprende que o preço para sobreviver é o silêncio.
Disputa de Poder: A Ciência esquecida no meio do caminho
O ambiente acadêmico, que deveria ser pautado pela colaboração e pela busca de soluções para os problemas amazônicos, muitas vezes se converte em território de rivalidades mesquinhas.
Projetos paralisam, grupos de pesquisa se fragmentam, disputas de vaidade corroem a confiança.
E quem mais sofre são aqueles que vieram para construir, mas encontram ruínas.
Um desabafo necessário: Um chamado aos pesquisadores
Aqui, como pesquisadora que há mais de uma década trilha os caminhos da Amazônia e que já enfrentou na pele essas redes de disputa e ego, não posso me calar:
Aos pesquisadores e orientadores, pergunto: que legado vocês querem deixar?
De que adianta ter currículos brilhantes se a sua trajetória é construída sobre os escombros dos sonhos dos seus estudantes?Que ciência é essa que forma doentes, e não pensadores?
A quem serve o poder acumulado em grupos de pesquisa, se a floresta que os abriga arde, se a juventude que poderia salvá-la é esmagada em silêncio?
Não basta publicar artigos em revistas internacionais se não somos capazes de formar seres humanos livres, críticos e saudáveis. O prestígio acadêmico, quando sustentado pela exploração e pela vaidade, é apenas ouro em pó nas mãos da história.
Um alento aos estudantes: A Ciência ainda pode ser resistência
A você, estudante caboclo, amazônida, que carrega em si a semente da transformação, digo: não desista.
Sua luta é legítima.
Seus sonhos são valiosos.
A ciência verdadeira, aquela que transforma e liberta, ainda precisa de você.
Resista ao cansaço. Denuncie o abuso quando puder. Apoie seus colegas. Procure redes de solidariedade. Lembre-se: a Amazônia é feita de resistência, e cada um que se recusa a se curvar à injustiça é uma árvore que não será derrubada.
Para onde caminhamos?
As instituições de ensino e pesquisa da Amazônia ainda podem ser o que prometeram ser:
faróis para o conhecimento emancipador, ponte viva entre saberes ancestrais e ciência moderna, força contra as desigualdades que marcam a nossa história.
Mas isso exige coragem, consciência e mudança estrutural. Ou teremos que encarar um futuro em que a Amazônia será lembrada não só pela destruição de suas florestas, mas também pela destruição silenciosa de seus sonhos e saberes. O futuro da ciência na Amazônia depende das escolhas que fazemos hoje. Ainda temos tempo. Mas será que teremos coragem?
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