“Eu sou linda do meu jeito, porque Deus não comete erros. Eu estou no caminho certo, baby. Eu nasci assim. Não se esconda em remorsos, apenas se ame e você está pronta. Eu estou no caminho certo, baby. Eu nasci assim.”
Os versos do refrão de Born This Way, de Lady Gaga, são parte da história de vida e superação de muitos dos fãs que celebram sua chegada ao Brasil, para um show gratuito na Praia de Copacabana, marcado para sábado (3). Em entrevista à Agência Brasil, eles declaram seu amor pela cantora como uma forma de gratidão por terem encontrado suas identidades nos versos e performances de seu trabalho e explicam por que a presença da cantora no Rio causa histeria.
Cover da diva pop, a produtora de moda e mulher trans Yasmin Gaga é uma das que guarda um relato como esse em um lugar precioso da memória.
“O lançamento do álbum Born This Way foi quando eu estava no início da minha transição, e a música fala: não importa se você é negro, asiático, gay, bi, hétero, trans, você nasceu assim porque Deus não comete erros. You’re born this way, baby’ As músicas dela eram meu alicerce de todos os dias, porque eu via nela a força e a garra que me encorajaram.”
Não apenas encorajaram como se tornaram o trabalho da produtora de moda, que se apresenta como cover da cantora há dez anos, e pôde fazer uma performance especial na última terça-feira (29), quando abriu um desfile de drag queens, mulheres trans e fãs da cantora no saguão principal da Central do Brasil, a principal estação de trens da região metropolitana do Rio de Janeiro.
“Nessa correria de shows fazendo a Lady Gaga, sempre passo pela Central. É um lugar icônico, muito importante, onde há o encontro de todas as pessoas. É um lugar primordial para a gente fazer essa homenagem”, disse Yasmin, que “se montou” com o figurino do videoclipe de Abracadabra, o mais novo sucesso da cantora.
“Ela, pra nós, desde o início, é um ícone e levanta muito a bandeira T, das pessoas trans. Ela ganhou uma premiação agora [Grammy de melhor dueto por Die With a Smile, com Bruno Mars], e a primeira frase do discurso dela foi que ‘pessoas trans não são invisíveis’. Me sinto representada por ela. Levar o legado dela para os palcos e festas, para mim, é um ato político”, completou Yasmin Gaga.
Organizado pela concessionária que opera os trens do Rio, a Supervia, pelo programa estadual Rio Sem LGBTIfobia e pelo Grupo Arco-Íris de Cidadania LGBTI+, o desfile reuniu uma multidão no saguão da Central do Brasil, entre ativistas, influenciadores, fãs e também apenas curiosos, que circulavam pela estação, que conecta o centro do Rio ao subúrbio da capital e à Baixada Fluminense. Na passarela, foram 20 drag queens e em torno de dez modelos transexuais, todas vestidas com referências à cantora.
Uma das drags que desfilou foi Karina Karão, um dos nomes mais conhecidos da arte drag no Rio de Janeiro. Ela conta que a vinda da cantora para o Brasil se tornou uma fonte de trabalho para as artistas drags, que têm conseguido fechar contratos de publicidade e ações de marketing com marcas.
“É uma valorização da nossa arte drag, que a gente vem há tanto tempo buscando que seja reconhecida. A Lady Gaga é uma drag. A primeira vez que vi ela saindo da piscina, com aquele óculos espelhados [no clipe de Poker Face], eu pensei: quem é essa mulher que está vindo com tudo? Ela vai incomodar. E ela incomoda. Tudo que é bom incomoda ”, celebra Karina. “Ela tem esse efeito drag, e isso é maravilhoso. Então, nada mais justo que a gente participe desse momento. Estou trabalhando com várias publis e pude indicar amigas para alguns trabalhos.”
A diretora artística do Grupo Arco-Íris, a drag Danny D’Avalon, também desfilou para os passageiros da Supervia na Central do Brasil, com um look rosa-choque inspirado no que Lady Gaga usou no tradicional baile fashionista Met Gala, em 2019. Para ela, a diversidade de visuais criativos que a cantora apresenta em sua carreira estão entre os principais motivos de ela encantar a população LGBTQIA+.
“O interessante é que, de 20 drags que vão participar, só havia duas que tinham só uma opção de visual dela. As outras todas tinham várias opções, não eram uma ou duas. Isso mostra a diversidade dela. E como é uma homenagem, buscamos algo bem diverso mesmo. Tem gorda, preta, loira, branca, pessoa com deficiência”, descreve.
“Ela salvou minha vida”
A ocupação da Central do Brasil pela estética de Lady Gaga é apenas uma onda na maré pop que promete inundar o Rio de Janeiro até o dia do show.Em outro endereço popular da cidade, na Rua Senhor dos Passos, fãs da cantora faziam fila no início desta semana para comprar camisas, leques, óculos e um sem fim de adereços com referências a roupas e trabalhos da cantora. Com forte divulgação nas redes sociais, a loja Lix virou ponto obrigatório para os gagamaníacos, chamados de little monsters, no centro de comércio popular conhecido como Saara.
O publicitário Lucas Braga, de 28 anos, chegou ao Rio na segunda-feira (28), de Brasília, com alguns dias de antecedência em relação ao show. Mas a programação dele e da amiga Ana Beatriz Soares para a festa já começou.
“Eu estava aqui em 2017, quando ela não veio [após cancelar show no Rock in Rio por motivos de saúde] e fui uma das pessoas que estava chorando horrores. E agora eu vou viver esse sonho. Estou sem dormir, estou muito feliz. Essa semana inteira, vamos persegui-la. Vou para a porta do Copa [Hotel Copacabana Palace], esperar ela aparecer. A gente vai ficar lá em Copacabana esperando ela ensaiar. Esse é o meu nível de fã.”
A admiração de Lucas pela cantora é também gratidão. Ele conta que a diva pop foi sua principal referência quando se entendeu como um homem gay e precisou enfrentar seus próprios preconceitos e os da família.
“Quando eu me descobri, foi um processo muito doloroso. Hoje, minha família me respeita e me aceita, e eles são incríveis, mas, para eles, foi um processo muito sofrido para entenderem. Então, a minha adolescência foi triste, porque eu fui criado nesse ambiente religioso, e eu achava que eu era errado e era uma pessoa horrível para os meus pais”, conta.
“A Lady Gaga me ajudou a entender que não, que eu sou assim, que eu nasci assim e que eu precisava encontrar quem eu era e me amar do jeito que eu era. Esse discurso empoderador dela, a militância política dela é muito importante para mim, por isso eu sou fã. Quando ela lançou Born This Way, ela salvou minha vida. Eu devo o que eu sou, a minha autoestima e a aceitação da minha sexualidade a ela”, conta o publicitário, que fez uma tatuagem na perna com o nome do álbum que tanto o ajudou.
Gagacabana
A festa que terá seu ápice com a cantora americana vai começar às 17h30, com apresentações de dois DJs no palco montado em frente ao Copacabana Palace. O show principal da cantora está previsto para ter início às 21h15 e deve durar cerca de duas horas e meia.
É esperado um público de 1,6 milhão de pessoas para acompanhar a apresentação, a primeira de Lady Gaga no Brasil desde 2012 e a única prevista para este ano em toda a América do Sul. Do público estimado, 240 mil devem ser turistas, sendo 80% estrangeiros e 20% brasileiros.
O impacto econômico na cidade deve superar R$ 600 milhões, contando que o período de estadia dos turistas deve ser ainda maior por conta do feriadão do Dia do Trabalhador, que será celebrado na quinta-feira (1º de maio). Esse período prolongado explica, de acordo com a prefeitura, por que a movimentação econômica deve superar em 27,5% o impacto de R$ 469,4 milhões gerado pela cantora Madonna, que se apresentou na mesma Praia de Copacabana no ano passado, com público também de 1,6 milhão de pessoas.
*Com informações da Agência Brasil
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