Por Érica Lima
O Dia do Trabalhador, na Amazônia, não é feito de homenagens. É feito de silêncios, de olhares cansados, de corpos que acordam antes do sol e dormem depois da exaustão. É feito de jovens que já desistiram dos seus sonhos antes mesmo de tentar, e de pais e mães que trabalharam a vida inteira por um país que, em troca, lhes nega até uma aposentadoria digna. Que tipo de sociedade estamos construindo quando o trabalho já não emancipa, apenas adoece?
Karl Marx, ao falar da alienação, não tratava apenas da máquina que nos consome em fábricas. Ele falava de um sentimento: o de não pertencermos ao que fazemos, de não vermos sentido no esforço, de não colhermos os frutos do que plantamos com suor. Aqui, na Amazônia, esse sentimento tem cheiro de mofo nos ônibus lotados, gosto de jaraqui suado na marmita e barulho de máquinas que enriquecem poucos enquanto empobrecem muitos.
Segundo dados recentes do IBGE (PNAD Contínua, 2024), o Brasil tem mais de 8,5 milhões de desempregados e quase metade da força de trabalho da Região Norte está na informalidade. Jovens com diploma nas mãos e medo no peito. Mulheres que empreendem por necessidade, não por opção. Trabalhadores que, mesmo ocupados, não conseguem comprar a cesta básica, pagar água e luz, ou sequer planejar o mês seguinte. Em abril de 2025, o salário mínimo no Brasil é de R$ 1.412, valor que não cobre metade da cesta básica em São Paulo e é insuficiente até mesmo para garantir o básico em Manaus ou no interior do estado.
Enquanto países como França e Alemanha praticam salários mínimos acima de 1.500 euros, e Chile e Uruguai superam o Brasil em poder de compra, por aqui seguimos sobrevivendo e sobrevivência não é vida.
Na Amazônia, o Polo Industrial de Manaus ainda emprega cerca de 110 mil pessoas, segundo a Suframa. Mas a Zona Franca, que deveria ser símbolo de desenvolvimento, vive sob ataques fiscais e ameaças políticas. Sem um plano nacional de fortalecimento, ficamos à mercê do mercado informal. E é aí que Marx volta a gritar: a superexploração da força de trabalho faz do trabalhador amazônida uma peça barata, substituível, invisível em uma engrenagem que gira até quebrar.
E o que dizer de quem passou a vida inteira contribuindo? Dos nossos pais, avós e aposentados, que hoje precisam escolher entre comprar remédios ou comer? O sonho de “descansar depois de trabalhar” virou piada amarga. A coisificação do trabalhador, como apontava Marx, se completa quando até a aposentadoria vira punição.
Enquanto isso, o país assiste atônito ao escândalo do rombo no INSS, bilhões desviados dos cofres públicos que deveriam sustentar a Previdência. As investigações revelam o envolvimento de dirigentes do Sindicato dos Trabalhadores, entre eles o próprio presidente da entidade, José Ferreira da Silva, irmão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Quando roubam os trabalhadores, não roubam só dinheiro. Roubam dignidade. Roubam o futuro. Corrompem a alma do Brasil.
A juventude, por sua vez, já não vê sentido em sonhar com uma carreira. Sonhar virou artigo de luxo. O jovem do Norte, esmagado entre o desemprego e o subemprego, já não luta, apenas sobrevive. As plataformas digitais substituíram direitos por metas inalcançáveis. Quando o futuro se torna um deserto, não há mais marcha, nem bandeira. A esperança se esvai, e com ela, a capacidade de reagir.
Nos ensinaram que o 1º de Maio era dia de luta. Mas hoje parece mais um dia de luto. Porque não temos heróis e quem irá nos defender? O Estado se omite. Os grandes empresários acumulam. E os sindicatos, antes trincheiras de combate, hoje são, em parte, engrenagens da mesma máquina que massacra o povo.
Marx alertava para a fragmentação da classe trabalhadora: quando nos sentimos sozinhos em nossas dores, quando não enxergamos mais o outro como companheiro de luta, ninguém vence. O trabalhador brasileiro de hoje não luta por direitos, luta para não enlouquecer.
Na Amazônia, resistimos. Porque não temos escolha. É essa resistência que ainda pulsa, mesmo enfraquecida, mesmo adoecida, mesmo esquecida. O 1º de Maio precisa ser um grito renovado. Um grito que venha da feira, do ramal, da fábrica, do beco, do mototáxi, da doméstica, da professora e do pescador.
Não há o que comemorar. Mas há o que lembrar. E há o que exigir. Trabalho digno. Salário real. Justiça para quem sustenta o país com o próprio corpo.
Porque o povo que vive do jaraqui, sonha com a picanha, sofre com o suor do rosto e da esperança, merece mais do que migalhas. Merece respeito. Merece futuro.
Quem é Érica Lima?
Érica Lima é diretora executiva do portal de notícias O Convergente e apresentadora do programa Debate Político, transmitido pelo canal 8.2 da Rede Onda Digital e pelo canal do YouTube @oconvergente. É mestre em Saúde, Sociedade e Endemias na Amazônia e especialista em Pesquisa Eleitoral e Análise do Discurso. Atuou como colaboradora em projetos de pesquisa na Fiocruz e no Ministério da Saúde, com expertise consolidada no trabalho com comunidades ribeirinhas e indígenas. Integra a Associação de Jornalistas e Escritoras do Brasil – seção Amazonas (AJEB-AM) e possui mais de uma década de experiência, incluindo atuação como professora de nível superior.