segunda-feira, maio 19, 2025
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Vacina inédita reacende esperança contra a chikungunya, doença que atinge milhões e causa dor crônica

Entre 2023 e 2024, o número de casos no país saltou de 158 mil para 265 mil – um aumento de 68%

A chikungunya, doença viral que afeta milhões de pessoas em todo o mundo e pode causar dor crônica incapacitante, acaba de ganhar um reforço decisivo no combate: a primeira vacina registrada contra a enfermidade foi aprovada no Brasil. Desenvolvido pelo Instituto Butantan em parceria com a farmacêutica franco-austríaca Valneva, o imunizante de dose única representa um marco na luta contra uma doença até então negligenciada pelas políticas de saúde pública.

Identificada pela primeira vez em 1952, na Tanzânia, a chikungunya teve seus primeiros registros no Brasil em 2014. Desde então, mais de 1,4 milhão de casos prováveis e 1.224 mortes foram contabilizados no país. O vírus é transmitido pelo mosquito Aedes aegypti, o mesmo vetor da dengue e da Zika, e pode causar febre alta, erupções cutâneas e, principalmente, dores articulares intensas que, em muitos casos, persistem por meses ou até anos.

A expressão “chikungunya” tem origem na língua Makonde, falada na Tanzânia, e significa “aqueles que se dobram” – em referência à postura dos pacientes curvados pela dor. A semelhança dos sintomas com os da dengue fez com que o vírus fosse inicialmente confundido com uma variação daquela doença. Apenas em 1988 a ciência reconheceu a chikungunya como uma infecção viral distinta.

Hoje, o vírus circula em mais de 110 países. Nas Américas, o primeiro caso de transmissão local ocorreu em 2013, no Caribe, e desde então a doença se espalhou por 50 países da região. O Brasil, por sua extensão territorial, densidade populacional e clima favorável à proliferação do mosquito transmissor, se tornou o epicentro da chikungunya nas Américas.

Entre 2023 e 2024, o número de casos no país saltou de 158 mil para 265 mil – um aumento de 68%, segundo dados do Ministério da Saúde. A mesma tendência foi observada com a dengue, que quadruplicou no mesmo período.

Além da rápida disseminação, o diagnóstico da chikungunya é dificultado pela semelhança com outras arboviroses, como dengue e Zika, e pela falta de exames específicos, o que contribui para a subnotificação. As três doenças apresentam sintomas semelhantes – febre, manchas vermelhas e dores no corpo – mas diferem nas complicações e na duração dos efeitos.

Impactos prolongados

O grande desafio da chikungunya está em sua fase crônica. Estima-se que até metade dos infectados desenvolvam dor articular persistente, o que pode comprometer a mobilidade e causar prejuízos à saúde mental. Um estudo da Universidade George Washington, nos Estados Unidos, mostrou que uma em cada oito pessoas manteve sintomas três anos após a infecção.

Pesquisas brasileiras confirmam os efeitos duradouros da doença. Um levantamento da Universidade Federal do Rio Grande do Norte revelou que pacientes com chikungunya crônica têm risco 13 vezes maior de desenvolver depressão e 76 vezes mais chance de enfrentar dificuldades de locomoção. Já um estudo da Universidade Federal do Ceará mostrou que surtos da doença impactam a economia: na Índia, em 2006, foram perdidos 7,4 milhões de dias de trabalho durante uma epidemia; nas Ilhas da Reunião, a queda de produtividade chegou a 17,4 milhões de euros.

Em 2015, na Colômbia, a chikungunya foi responsável por 96% dos DALYs – indicador da OMS que mede a carga das doenças. No Brasil, o cenário foi semelhante, com a forma crônica atingindo especialmente idosos e pessoas com comorbidades.

Avanço da ciência

A ausência de um tratamento antiviral específico e a dificuldade de controle do vetor sempre foram obstáculos no combate à chikungunya. Até agora, a prevenção se limitava à eliminação de criadouros do mosquito e ao uso de repelentes. A chegada da vacina muda esse cenário.

Batizada de IXCHIQ, a vacina do Butantan e da Valneva foi aprovada pela Anvisa em abril e também já recebeu aval nos Estados Unidos, Canadá e Europa. Os resultados dos ensaios clínicos são animadores: entre adultos, 98,9% desenvolveram anticorpos neutralizantes; entre adolescentes, a taxa chegou a 100% nos que já haviam tido contato prévio com o vírus.

A inclusão da vacina no Programa Nacional de Imunizações (PNI) ainda está em análise pelo Ministério da Saúde. Caso aprovada, poderá ser fundamental para reduzir o número de casos e óbitos no país.

Um estudo publicado na revista Nature Medicine em maio reforça essa perspectiva. A pesquisa, que modelou uma campanha de vacinação no Paraguai entre 2022 e 2023, concluiu que a imunização poderia ter evitado até 88% das mortes provocadas pela doença.

A chikungunya integra a lista da Organização Mundial da Saúde de Doenças Tropicais Negligenciadas – um grupo de enfermidades que afetam populações vulneráveis, mas que historicamente recebem menos investimentos em pesquisa. Com a aprovação da vacina, o Brasil assume papel de destaque na mudança desse cenário e reacende a esperança de controlar uma doença que, durante décadas, impôs sofrimento silencioso a milhões de pessoas.

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