Na última semana, Manaus presenciou um impasse entre motoristas de moto que atuam por meio de aplicativos e vereadores da Câmara Municipal. O conflito foi provocado pelo Projeto de Lei nº 339/2025, que visa a regulamentação da atuação dos “motoubers” na cidade.
De autoria do vereador Rodinei Ramos (Avante), a proposta tem como objetivo incluir penalidades a condutores e empresas de apoio que operem sem credenciamento. O projeto — que foi retirado de pauta na CMM após críticas — prevê punições a motoristas autônomos de motocicletas e automóveis, bem como a plataformas digitais, exclusivamente por não estarem vinculados ao sistema de mobilidade urbana gerenciado pelo município.
Apesar da intenção de regulamentar o setor, o projeto gerou reações contrárias da categoria. Entre as principais críticas está a alegação de exclusão de trabalhadores autônomos, além da exigência de que empresas de aplicativo tenham representantes físicos em Manaus.
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De acordo com Manoel Paiva, especialista em mobilidade urbana, é necessário analisar com objetividade o impasse gerado pela proposta. Ele destaca a importância de avaliar de que forma o projeto contribuiria para a segurança viária, a fluidez do trânsito e a redução de acidentes.
“O crescimento no número de veículos, especialmente das motocicletas, em 2024, aumento de +10,9%, (32.315 novas unidades), reflete na elevação da demanda por transporte individual, mais econômico, rápido e acessível, intensificando o trânsito e influenciando cada vez mais na qualidade e segurança dos deslocamentos diários das pessoas”, comentou.
Paiva também levanta questionamentos sobre a eficácia do projeto para reduzir acidentes e a capacidade de fiscalização com a estrutura atual da Prefeitura. Ele também destaca a ausência de propostas para qualificação dos profissionais autônomos.
“Outra consequência direta desses números desfavoráveis do crescimento desordenado da frota, reflete diretamente nos longos e estressantes engarrafamentos nos principais e escassos corredores viários de nossa cidade. […] Isso provoca irritação, estresse, impaciência, nervosismo, acidentes, danos materiais, vítimas lesionadas e muitas mortes”, disse.
O especialista ainda apontou dois questionamentos relevantes: a Prefeitura ofereceu um novo aplicativo para ser usado? E o que foi estabelecido para treinar, preparar e requalificar os trabalhadores que operam de modo autônomo?
Desmembrando o PL 339/2025
Segundo Paiva, a expansão do trabalho por aplicativo trouxe à tona questões sobre a relação entre plataformas e trabalhadores. “A regulamentação busca encontrar um equilíbrio entre a flexibilidade oferecida pela plataforma e a necessidade de proteger os trabalhadores, incluindo direitos previdenciários, acesso à saúde e segurança no trabalho”, afirmou.
O Convergente teve acesso ao texto completo do PL 339/2025, que é alvo de críticas por conta da proposta de regulamentação. Apesar de retirado temporariamente de pauta, o projeto deve voltar à discussão após reuniões com representantes da categoria e possíveis ajustes. Confira: pl_339_2025_ver._rodinei_ramos__inclui_art_35a_na_lei_3379_de_12_de_set_de_2024_servicos_de_mototaxi
Entre os pontos do projeto estão a obrigatoriedade de que as empresas mantenham escritório físico em Manaus, além da previsão de direitos trabalhistas e previdenciários, como salário mínimo, remuneração mínima, representação sindical e fiscalização da atividade.
O projeto também propõe a definição de uma tarifa mínima, a ser estabelecida pelo Poder Público a partir de solicitação do sindicato ou das plataformas. A medida visa garantir remuneração adequada aos profissionais.
“Governo, plataformas e profissionais concordam que é preciso melhorar as condições de trabalho da categoria. A definição de regras para a atividade, porém, é complexa, e não tem consenso nem mesmo entre os trabalhadores do setor”, comentou o especialista Manoel Paiva.
Dados
Paiva destaca que a preocupação com a regulamentação é justificada pelo volume de pessoas que trabalham com aplicativos. Segundo dados do IBGE de 2022 apresentados por ele, o Brasil contava com 1,5 milhão de pessoas atuando por meio de plataformas digitais, sendo que menos de um quarto contribuía para a Previdência Social.
Ainda conforme os dados do IBGE, Paiva afirma que há forte dependência dos motoristas em relação às plataformas: “97,3% e 84,3%, respectivamente, afirmaram que é o aplicativo que determina o valor a ser recebido por cada tarefa executada; para 87,2% e 85,3%, respectivamente, é o aplicativo que determina os clientes a serem atendidos”.
Em relação ao modelo de transporte, Paiva defende a priorização do transporte coletivo. “Temos que priorizar o transporte coletivo de pessoas, pois é mais seguro, mais barato, mais sustentável, mais amigável a nossa cidade, mais racional e muito mais inclusivo. Essa é a única saída, pois foi dessa maneira que todas as cidades do mundo, resolveram seus graves problemas de trânsito, adotando o modelo de mobilidade coletiva, integrada, sustentável, acessível e inclusiva”, disse.
Trânsito
Segundo o especialista, o Amazonas tem 1.270.716 veículos registrados, sendo 1.009.106 somente em Manaus. Desse total, 935.597 veículos servem ao transporte individual. As motocicletas ultrapassam 408 mil no estado, e 61% estão na Região Metropolitana.
Paiva informa ainda que os dez maiores municípios concentram 86% da frota de motos do estado. De janeiro a maio de 2025, Manaus registrou 102 mortes no trânsito, sendo 47 delas de motociclistas.
Ele reforça que a baixa qualidade do transporte coletivo em Manaus empurra usuários para o transporte individual por aplicativo. “A melhoria na circulação de veículos em nossa cidade passa pela melhoria da qualidade do transporte coletivo urbano, que não tem oferecido nenhum atrativo operacional, financeiro e de serviços, que provoque a volta de mais de 30,0% da população cativa desse modal que abandonou esse serviço a partir da pandemia”, iniciou.
“Hoje essa qualidade não oferece segurança, conforto, credibilidade, confiança, menor tempo de espera, itinerários mais objetivos e menos demorados. O serviço de transporte coletivo urbano, está cada vez menos utilizado por centenas de pessoas que se sujeitam a pagar o equivalente a tarifa pública atual para utilizarem os ‘aplicativos de motociclistas’, mesmo correndo riscos de acidentes e desconforto nas viagens diárias”, finalizou.
*Com informações do O Convergente
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