Nos últimos dias tem sido intensificada a crise da saúde pública no Brasil por conta da Covid-19, que já havia atingido o seu pico em julho de 2020. Os hospitais estão lotados e as mortes diárias com números não vistos desde o mês de agosto passado.
Na quinta-feira (07), o Brasil registrou 1.524 novas mortes em apenas 24h, elevando o número oficial da totalidade de mortes a 200.498. O Brasil detém o segundo maior número de mortes do mundo, ficando atrás apenas dos EUA.
Porém, das areias de Ipanema às pequenas cidades amazônicas, a folia continua.
“É todo o Brasil – onde quer que você olhe há uma festa ou uma multidão. Nosso objetivo é mostrar que estamos enfrentando um momento crítico dessa pandemia e essas pessoas que estão saindo e desrespeitando a vida acabarão prejudicando outras pessoas e se prejudicando também” disse um investigador amador que publica fotos de pessoas ignorando o avanço da pandemia.
Foram denunciados nos últimos dias pelo militante anônimo, lugares lotados em praticamente todos os cantos do Brasil: políticos se divertindo no Maranhão, fãs de samba no Rio, banhistas no Rio Grande do Norte e clubes no estado do Pará.
Segundo o investigador, muitas dessas pessoas são seguidoras do presidente Jair Bolsonaro, que, de acordo com ele, sabotou repetidamente os esforços de contenção da doença no país, fazendo aglomerações e diminuindo os perigos do vírus.
“Mas pessoas que se opõem a Bolsonaro também têm se juntado à multidão. São pessoas de esquerda, de direita, centristas. É uma mistura”, disse o ativista, observando que a maioria das 300 celebrações que ele expôs tiveram a aprovação das autoridades.
Por conta do aumento do número de mortes e a campanha de vacinação contra a Covid-19 ainda para começar, os profissionais de saúde ficaram desesperados com a folia das pessoas, como se a situação estivesse normal.
“É tão ignorante e estúpido”, disse o médico Drauzio Varella à rede Globo na semana passada.
“Eles não se importam com as pessoas que morrerão enquanto se sentam esperando por um leito de terapia intensiva.”
O epidemiologista da Fiocruz Amazônia, Jesem Orellana, mostrou frustração por tantos moradores, orientados por figuras como Bolsonaro e falsas alegações de imunidade de rebanho, terem declarado unilateralmente a pandemia e reiniciado suas vidas sociais em restaurantes e festas.
“Eu só não acho que há mais nada a ser dito a essas pessoas”, disse o pesquisador do centro de pesquisa em saúde pública da Fiocruz.
“São pessoas que sabem o que estão fazendo, que demonstram desdém pela vida dos outros, e são muito provavelmente influenciadas por políticos e celebridades que incentivam esse tipo de comportamento. [Eles] não se importam porque a vida não tem valor para eles.”
Durante a primeira onda da pandemia de Covid-19 em Manaus, a prefeitura teve que utilizar valas comuns para enterrar os corpos. Atualmente, a cidade teve um aumento de 605% nas internações hospitalares relacionadas à Covid-19 desde o início de setembro.
Na quarta-feira (06), houve 110 enterros na capital do Amazonas, em comparação com os 30 usuais, enquanto 19 pessoas supostamente morreram em casa. O prefeito David Almeida, declarou situação de emergência por 180 dias, porém, segundo Orellana, além de ser pouco, agora é tarde demais.
“Sentimos desespero – essa é a verdade”, disse Orellana. “É uma tragédia prevista.”
O ativista do Twitter afirmou que recebeu ameaças de alguns daqueles cuja festa ele havia revelado.
“Você está me expondo! Eu vou processá-lo! Nós vamos encontrá-lo!”, Disseram algumas pessoas.
Por conta do carnaval ser já no próximo mês, o ativista prometeu continuar sua campanha na esperança de persuadir pelo menos algumas pessoas a ficarem em casa.
“Não mudaremos o mundo, mas talvez mudemos algumas atitudes”, disse ele, “e até salvaremos algumas vidas”.
Ainda de acordo com o epidemiologista da Fiocruz:
“Esta matéria mostra a trágica, evitável e criminosa gestão da Epidemia no Brasil e denuncia uma das mais dramáticas experiências de má gestão da epidemia de COVID-19.
A reportagem se junta a outras dezenas de matérias publicadas em importantes meios de comunicação estrangeiros como o “The Washington Post”, a francesa “RFI”, o “The Intercept”, o “ElPais” ou a norte-americana “NPR”, para dar alguns exemplos do que temos dito há meses sobre Manaus.
Outras mídias científicas como as prestigiadas e mundialmente reconhecidas “The Scientist”, “Nature” e “The British Medical Journal”, também retrataram nossas preocupações.
No entanto, o curioso é que mesmo tendo alertado as autoridades sanitárias com enorme antecedência (agosto de 2020) sobre a tragédia que nos aguardava, só mais recentemente a imprensa brasileira parece ter se convencido que estávamos mesmo na segunda onda de contágio e mortalidade por COVID-19 em Manaus, um caminho sem volta e letal.
Mas, o pior é que nossas recomendações seguem sendo ignoradas e desqualificadas por diversos atores da classe política, empresarial, de instituições de ensino/pesquisa (incluindo a própria FIOCRUZ) e, sobretudo, por agentes públicos responsáveis pela gestão da epidemia no Amazonas.
Enquanto isso, seguimos abrindo covas, leitos de UTI e contando mortos. É assim que o laboratório a céu aberto Manaus vai novamente horrorizando a humanidade, no que pode ser um dos mais emblemáticos casos de impunidade e de má gestão nesta pandemia.”
- Fonte: The Guardian
- Imagem: Divulgação