domingo, novembro 24, 2024

Sociedade e Direito – Round 6 e o Direito sem a moralidade.

Durante o julgamento da ADPF nº 279 foi travada uma discussão entre alguns dos Ministros do Supremo Tribunal Federal sobre a relação entre Direito e a moral, sendo que, ao menos até a intervenção do Ministro Luís Roberto Barroso, pareceu que o Direito pensado pelas lentes da moral é algo que não deve prosperar no processo de interpretação constitucional.

Em que pese a existência de várias correntes filosóficas a justificar a existência do Direito e como o mesmo deve ser interpretado pela sociedade, imaginar uma discussão na mais alta Corte de Justiça do País, mesmo que por uma minoria, de que o Direito não é permeado, tangenciado ou tocado pela moralidade, mostra-se temerário, além de despertar uma certa tristeza de que as coisas não vão bem no Brasil. Na base do ensino jurídico nacional há uma forte tendência das faculdades em guiarem as suas finalidades pedagógicas para a obtenção de números positivos na aprovação do exame da OAB e/ou o êxito em provas de concursos públicos dos mais variados, sendo noticiado por Luiz Felipe da Rocha até uma divisão na graduação entre aqueles que pretendem seguir carreira acadêmica, advogar ou atuar em outros cargos acessíveis mediante concurso.

Esse conjunto de posturas degrada o mais belo detalhe ou nuance que o Direito traz em si, qual seja: buscar, durante os cinco anos de graduação, lapso temporal este talvez não suficiente, as linhas gerais das condições de emergência do Direito.

“O sonho da advocacia, da segurança do emprego público ou das maravilhas que a vida acadêmica pode proporcionar não ficariam de lado se bacharéis pudessem deixar os bancos de faculdade com o mínimo conhecimento sobe as perspectivas filosóficas que buscam explicar o que vem a ser o Direito.”

Certamente isso evitaria o consumo abusivo de doutrina que simplifica o que não tem como simplificar e a produção tóxica de decisões unicamente utilitaristas, consequencialistas. Com isso em mente, o futuro do exercício prático do Direito poderia resistir com mais vigor ao processo contínuo de numerificação do humano, em especial numa Era em que muitos são os sinais de que a programação algorítmica tende a crescer exponencialmente.

O humano e a sua relação com o outro não podem estar contidos dentro de combinações numéricas. O coexistir em sociedade é feito por meio de narrativas construídas e ressignificadas a cada momento por meio da autonomia que se expressa no diálogo com o outro, o qual não pode estar previamente desenhado numa fórmula algorítmica do tipo se acontecer isso a consequência será essa.

A História já deu exemplos sobre as consequências do esquecimento do humano, bastando mencionar por essas rasas linhas o processo de despersonalização, em algum ponto auxiliado pela tecnologia (caso IBM), que os judeus sofreram durante as agruras do Holocausto.

Tragédias como essa tem na sua base o entendimento do Direito sem a sua perspectivação moral, um Direito avalorado, o qual pode servir a uma qualquer estratégia política ou econômica em que, nem sempre todos os humanos parecem ser portadores da inalienável dignidade e nem mesmo iguais uns perante os outros.

É nesse sentido que a série Round 6, dentro de seu “espectro de realidade”, nos força a lembrar do embate entre os pensamentos de Aristóteles e Oscar Wilde para nos indagarmos se a arte imita a vida ou se esta imita aquela.

A reposta para o dilema não se tem, mas é certo que a série retrata uma das facetas da miséria da existência humana sem uma moralidade que lhe confira sustentação, sem valores que sejam irrenunciáveis em qualquer comunidade política, a abrigar algo que se diga ser “Direito”, mas que pode muito bem ser confundido ou substituído por outra ordem de pensamentos econômicos, estratégicos e políticos.

Seguindo essa ordem de ideias é que pouco importa a qualidade do serviço prestado, a ausência de garantias e prerrogativas institucionais e dos membros, bem como os supostos propósitos eleitoreiros na implementação dos serviços de assistência jurídica no âmbito dos Municípios, pois o essencial são os números e não as pessoas que depositam as suas esperanças em um acesso à justiça qualificado.

Aliás, nunca é tarde para relembrar as lições de João Baptista Machado, quando salientou que o processo de hominização, entregue ao próprio homem, é por si mesmo uma aventura arriscada, sujeita ao fracasso.


  • Por: Marcelo Pinheiro.
  • Foto: Divulgação.

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