O segundo dia da prova do Enem indicou a defasagem do Banco Nacional de Itens (BNI), repositório de questões do exame que não é atualizado desde 2018. A ausência mais clara nas provas de Matemática e, especialmente, de Ciências da Natureza foi a pandemia de Covid-19, da mesma forma que aconteceu na prova do ano passado.
“Uma marca registrada do Enem sempre foi o atualismo das questões. A prova sempre foi muito contemporânea. Mas temos visto essa defasagem nos últimos anos. Do ponto de vista pedagógico, isso é muito ruim porque os alunos não ficam tão atentos à atualidade e acabam agarrados a fatos que já estão ficando no passado”, afirma Vicente Delorme, diretor de Planejamento do Colégio pH.
Já Rafael Pinna, diretor-geral do Colégio e Curso Ao Cubo, acredita que se esse cenário se mantiver, o resultado tende a ser a formação de estudantes cada vez mais alienados de assuntos relevantes atuais para a sociedade.
“Essa desconexão com a atualidade reduz o interesse dos alunos nas aulas e, de modo geral, nas escolas”, afirma.
O GLOBO mostrou na última terça-feira que o BNI está perto do fim depois de três edições do Enem do governo Bolsonaro sem que o processo para elaboração de novas questões tenha sido realizado nenhuma vez desde 2019. Com isso, de acordo com servidores do Inep, não há questões suficientes para a edição de 2022.
O Inep já teve quatro presidentes durante o Governo Bolsonaro. Além disso, outro posto chave, o comando da diretoria de Avaliação da Educação Básica, diretamente responsável pela elaboração da prova, também teve alta rotatividade, com seis diretores nesse período. O cargo também chegou a ficar quase cinco meses sem titular, em 2019. Ontem, uma questão de análise combinatória, por exemplo, citava os campeões da Copa do Brasil até 2018 apenas. O exame teve duas questões sobre dengue. Uma delas relacionava a letalidade da doença com o Ebola, na África, e outra, inquirindo sobre qual era o tipo de prevenção que se fazia ao se usar um pigmento do açafrão contra a doença transmitida pelo mosquito Aedes Aegypti.
A prova trouxe ainda duas questões sobre agrotóxicos, tema sensível do Governo Bolsonaro. Em outubro, um grupo intitulado “Mães do Agro” foi recebido pelo Ministério da Educação para reclamar sobre a forma como a agricultura era tratada nos livros didáticos.
A prova também teve uma questão sobre o impacto da tragédia de Mariana no arquipélago de Abrolhos, com o escoamento do rejeito de minérios de uma barragem da Samarco no Oceano Atlântico por meio do Rio Doce.
Conteudista e teórica
Na avaliação do professor de Física da Plataforma AZ de Aprendizagem Vinicius Silveira, o exame de hoje teve questões “genéricas e sem relação com a atualidade”:
“Não teve nenhuma questão com assuntos polêmicos no sentido político. As questões foram muito genéricas e não tinha nenhuma relação com a atualidade, como pandemia, por exemplo”.
O professor lembra que a prova de física, este ano, demandou menos cálculos. Em exames anteriores, normalmente, essa parte é dividida entre questões teóricas e questões que exigem contas. Gilberto Tavares, coordenador de Química do pré-vestibular do Matriz Educação, também diz que esse campo do conhecimento priorizou a teoria ao invés de cálculos.
“A questão mais incomum foi sobre o conceito de ácido e base de Brönsted-Lowry e a mais comum foi a questão que traz a comparação de combustíveis”, afirmou o professor.
Já em Biologia, o professor Alexandre Pereira, do Ph, avaliou que a prova foi muito conteudista e que isso pode ter dificultado para quem não conseguiu estudar o ano todo.
“Muitos assuntos específicos, especialmente na área da botânica”, explica Pereira.
E, em Matemática, a prova exigiu muita interpretação de gráficos e tabelas, além de questões de geometria plana e espacial, probabilidade e análise combinatória.
Na avaliação de professores do Colégio QI, a prova não fugiu do que sempre cobrou.
- Fonte: Cenarium.
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