A 28ª Edição da Marcha para Jesus realizada pela Ordem dos Ministros Evangélicos do Amazonas (Omeam), no último sábado (28), no Centro de Convenções de Manaus – Sambódromo -, dividiu opiniões entre os cristãos que foram participar do evento por conta da presença de diversas autoridades políticas, entre elas o presidente da República Jair Bolsonaro (PL).
Para muitos fiéis, a presença de políticos e principalmente do presidente tanto no palanque, quanto no trajeto da Marcha, não deveria ocorrer por misturar política a um evento que por tradição é destinado a adoração a Jesus e que também mostra a fé de cada participante, que em muitos casos vão com um propósito definido, seja para a vida convencional ou espiritual. Já outros, consideraram importante a presença do chefe da nação na Marcha.
Contrária
Uma das participantes que acompanhou o evento desde a Praça da Saudade, no Centro de Manaus, onde ocorreu a concentração da Marcha, foi a comerciante Daniele Brasão, 22, que considerou como péssima a iniciativa de colocar diversos políticos, incluindo Bolsonaro, nos trios elétricos que faziam parte do evento, bem como no palco, já no sambódromo.
“Eu acho muito ruim, porque eu acho que a gente não pode misturar as coisas de Deus com coisa política, na minha opinião. Só que como nós somos evangélicos, nós temos que nos reunir para mostrar algo melhor e lutar para vir coisas melhores para o nosso futuro”, enfatizou a comerciante.
Contrariando ou não o meio evangélico, que apoia quase que em sua totalidade o atual presidente, Danielle disse que tem preferência pelo pré-candidato Lula (PT) na disputa pela Presidência da República agora em 2022.
A favor
Já a autônoma Bianca Silva, 23, afirmou que estava na expectativa pelo evento e disse que a presença de Bolsonaro foi importante para a Marcha para Jesus.
“Eu achei muito legal que ele [Bolsonaro] está presente agora apoiando a Marcha”, disse Bianca informando que ainda não sabe em quem vai votar neste ano, mas ressaltou que quer mudança no país, principalmente quanto ao reajuste dos preços em geral.
Uso político
Em conversa com o advogado e o cientista político, Helso Ribeiro, sobre essa movimentação política em meio às igrejas e aos fiéis, neste ano eleitoral. Para Ribeiro, a Marcha, que já ultrapassa décadas, deixa claro o uso político, pois não só o presidente participou do ato, mas como também pré-candidatos a cargos estaduais e federais (deputado e senador) e vereadores eleitos.
Por outro lado, o cientista acredita também que mesmo com essas presenças de perfis políticos, o público não vai votar desta forma, só porque tinha um político naquele evento.
“Você observa que a marcha pra Jesus é um movimento que já tem alguns anos, acho que mais de dez anos em comunidades protestantes. Muitos anos, e é claro, que há uma utilização política dele. A gente viu em palanques candidatos a deputado federal, estadual, governador, prefeito, presidente e a senador. Então as pessoas utilizam isso politicamente. Eu entendo que a grande maioria, eu digo a grande maioria, não vai votar porque estava lá o presidente, o governador, o prefeito, o deputado. Não! Vai votar de acordo com as suas convicções”, enfatizou o cientista.
Helso Ribeiro ainda comentou que isso não é visto em países mais bem desenvolvidos. Embora os políticos tenham suas religiões e sua fé, eles atuam de uma forma para que isso não interfira nas tomadas de decisões ou mesmo para pedir votos em épocas de campanha.
“O Brasil que é um país, que eu diria, de muita fé. Nós sempre vimos isso, a tentativa de utilizar politicamente a crença. Eu com toda honestidade acho lastimável. Se você pegar os vinte países com melhor IDH [Índice de Desenvolvimento Humano] você vai ver que isso não vai prosperar lá. E lá presidente, reis, rainha, têm religião, mas não utilizam isso pra granjear votos e em período de campanha”, ressaltou Helso Ribeiro.
Lado a lado
Outro analista político ouvido a respeito do envolvimento político em evento religioso foi o advogado e sociólogo Carlos Santiago, que vê a medida como preocupante, uma vez que está ficando cada vez mais claro a influência da religião em tomadas de decisões políticas dos governos em todo o país.
“Religião e política sempre andaram juntas, inclusive o Brasil já teve uma religião oficial. Com a república, houve um distanciamento entre religião e estado. Agora, no atual contexto do país, há toda uma movimentação de denominações religiosas para pautar agenda de estado, agenda de políticas públicas. A Marcha para Jesus demonstra de forma clara, que a religião está influenciando nas tomadas de decisões dos governos e nas linhas de atuações do estado, inclusive para chegar ao Supremo Tribunal federal (STF), hoje, o postulante tem que se declarar evangélico. Misturar religião, com política é perigoso, é preocupante, mesmo sabendo que o Brasil vive a liberdade religiosa, a liberdade de expressão. Mas as decisões políticas públicas, as decisões de estado têm que amparar todos, aqueles que têm religião e aqueles que não têm”, salientou.
Carlos Santiago ressaltou que quando se mistura política e religião em um evento como a Marcha para Jesus, fica evidente que a fé e a ideia cristã ficam em segundo plano e, por isso, muitos cristãos deixaram de comparecer ao evento por não quererem fazer essa “mistura”.
“Quando o Presidente da República e políticos abraçam uma determinada denominação religiosa ou a cultura de uma determinada região, ele está exercendo a liberdade religiosa, porém o estado tem que ser preservado no sentido de ser laico, no sentido de atender a todos, e ser um estado laico não é só um estado sem religião, mas acima de tudo um estado que não privilegia determinadas religiões. O Brasil precisa eleger bons governantes e bons representantes, independentemente da fé, até porque as decisões de governo precisam abranger a todos, a toda a população. Quando a política entra dentro de uma igreja, como aconteceu nesse evento da Marcha para Jesus, a fé, a ideia cristã fica sempre em segundo plano”, pontuou o advogado e sociólogo.
Ainda segundo o sociólogo, uma parcela significativa de evangélicos não querem misturar religião com política. “É significativo os números dos participantes, mas também é importante avaliar outros que não foram por conta de um ato, que deveria ser mais religioso acabou sendo mais político. Há evangélicos preocupados com essa situação”, finaliza Santiago.
Divulgação política-pessoal
Durante o evento foi possível ver ao menos três nomes de possíveis pré-candidatos pelo Partido Liberal (PL) que aproveitaram a Marcha para Jesus para literalmente divulgar seus nomes em meio ao público cristão, distribuindo abanadores com fotos, divulgação parlamentar e folhetos de apresentação (santinhos).
Um deles foi o deputado federal, o Capitão Alberto Neto (PL), que assumidamente é pré-candidato à reeleição e que colocou suas ações parlamentares no verso dos abanadores.
O segundo, que ainda não afirmou para que vem nestas eleições, mas já divulgou que se filiou ao PL no sábado, (28), é o professor Nilmar Oliveira, que também distribuiu abanadores com sua foto e uma espécie de apresentação. Quem também usou do mesmo artificio para divulgar seu nome foi Débora Menezes, filha do pré-candidato ao Senado Coronel Menezes, que provavelmente deve disputar a algum cargo nestas eleições. Débora também distribuiu abanadores com sua foto.
Além deles, estiverem presente outros políticos e apoiadores de Bolsonaro, dentre eles os deputados federais Delegado Pablo (União Brasil), Capitão Alberto Neto (PL), Silas Câmara (Republicanos) e dos deputados estaduais Delegado Péricles (PL) e Fausto Jr. (União Brasil); além de vereadores de Manaus, como Eduardo Alfaia (PMN), Yomara Lins (PRTB) e Marcel Alexandre (Avante). Também participou do evento, o pré-candidato ao Senado e um dos principais apoiadores de Bolsonaro no Amazonas, Coronel Menezes (PL), além de pré-candidatos a deputado federal e estadual.
*Com informações do O Convergente
- Foto: Divulgação