Você se lembra de todos os candidatos que votou na eleição de 2018? Se não lembra, você está no grupo de pessoas com a chamada “amnésia eleitoral”. A falta de lembrança é algo “comum” entre os brasileiros e, segundo especialistas ouvidos pelo O Convergente, influenciada por uma série de fatores. Como o desinteresse pela política, ocasionado pela deficiência do sistema educacional e a decisão de voto tomada em cima da hora sem qualquer análise sobre o candidato.
Para a socióloga, Gleice Melo, o interesse sazonal na política, motivado por uma série de fatores, como os déficits na educação, influenciam diretamente nessa questão. Bem como a obrigatoriedade do voto, que também pode configurar em um importante fator de influência nesta “memória” temporária.
“As memórias são reforçadas durante os períodos de mandatos principalmente pelos cargos mais importantes, como geralmente são veiculados, discutidos, falados e comentados diariamente nas redes sociais e mídias informativas. São os casos, de presidente e vice, ou de governador e vice. Os outros cargos são veiculados e comentados apenas em meios mais restritos distantes das mídias informativas e do conhecimento público, o que não reforça os nomes, cargos, ações ou os projetos com os quais se envolvem durante os mandatos consecutivos”, destacou a especialista.
Outro ponto importante, apontado por ela, é a quantidade de cargos públicos que são oferecidos versus a quantidade de candidatos concorrentes para cada cargo. Além da falta de uma política social mais aprofundada.
“A importância com o pleito eleitoral é dado de maneira sazonal e temporária, a começar pelos mecanismos e a educação cultural política que é mais intensificada em ano eleitoral e próximo aos períodos do pleito. Assim, ter memória política também é parte de uma educação política e social, como não somente uma obrigação eleitoral, mas principalmente como um compromisso civil com o bem estar social e das próximas gerações”, opinou a socióloga.
Pesquisas sobre o tema
A “amnésia eleitoral” é maior no Brasil em comparação com outros países, segundo dados do Centro de Estudos e Opinião Pública (Cesop), da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).
Os dados fazem parte do Estudo Eleitoral Brasileiro (Eseb), que faz parte de um consórcio que é liderado pela Universidade de Michigan, nos Estados Unidos, e faz uma série de pesquisas pós-eleitorais. Os dados do Eseb mostram ainda que em 2018, menos de um mês após a realização das eleições, quatro em cada dez brasileiros não se lembravam em qual candidato votaram para deputado federal ou estadual.
O que segundo o especialista em ciência política e diretor do Cesop, Oswaldo Amaral, é consequência de uma série de fatores, que fazem parte de um conjunto de características muito único do Brasil.
“Primeiro é o sistema presidencialista, onde você tem eleições separadas para presidente e para o legislativo, diferente de países parlamentarista. Outro fator que contribui é o fato da gente ter um sistema de lista aberta com representação proporcional. Então a gente vota nos candidatos e não nos partidos. A gente tem o que chamamos de circunscrições eleitorais, que são os estados muito grandes e com muitas vagas para deputado federal e estadual. Fica mais difícil para o eleitor memorizar ou mesmo ter uma fidelidade com relação a um candidato”, explicou o especialista ao O Convergente.
“Por fim, a gente tem um sistema que o voto é obrigatório. O que acaba, às vezes, se diferindo de outros lugares. Então, mesmo as pessoas que tem baixo interesse por política, elas acabam indo votar e muitas vezes tomam a decisão ali na véspera. Isso vem acontecendo cada vez mais. As pessoas estão decidindo cada vez mais tarde, tomam a decisão na véspera e votam de fato. Depois não se recordam mais”, explicou Amaral ao citar ainda que o sistema de voto obrigatório no Brasil não é ruim para o histórico do país, mas é um dos fatores que pode explicar essa amnésia do eleitor.
Desinteresse
A falta de interesse geral por política entre os eleitores brasileiros, segundo o estudo Panorama Político 2022: opiniões sobre a sociedade e democracia, elaborado pelo Instituto DataSenado, com colaboração da Universidade de Brasília (UnB), é impulsionada especialmente pela falta de compreensão sobre o sistema político.
O estudo, divulgado em março deste ano, mostrou que há 10 anos, a pesquisa quantitativa do DataSenado indicava que 63% dos brasileiros tinham interesse em política, percentual que caiu para 53% no levantamento atual. O fator foi, inclusive, apontado pelos eleitores entrevistados pelo O Convergente.
“Eu não me lembro de todos os candidatos que votei, não. Nunca prestei atenção muito nisso. Na época da eleição eu voto na pessoa, mas geralmente só me lembro do cargo maior, na pessoa em que votei para presidente ou governador, por exemplo”, disse a funcionária publica Maria Silva, 60 anos.
A gerente de caixa, Lucia Santos, 48, disse se lembrar de nome que já votou, mas não exatamente para que cargos. Assim como não tem o habito de acompanhar as ações de “seu candidato”, caso o mesmo tenha sido eleito.
“Um monte de gente não faz isso né. A gente não aprendeu sobre política e acho que isso influência muito nessa questão. Eu mesma voto, por que tem que votar. Muitas vezes eu escolhi o candidato aleatório dias antes da votação”, afirmou.
Por Izabel Guedes para O Convergente
Fotos: Reprodução | Capa: Neto Ribeiro