Yanomami – O estudo abrangeu três regiões com altos índices da doença: Marari e Toototobi, no Amazonas, e Parafuri, em Roraima
A malária pode ser transmitida por diferentes espécies de mosquitos silvestres do gênero Anopheles, chamados de anofelinos. O comportamento dos vetores influencia na dinâmica do agravo, pois, dependendo da espécie, os insetos possuem hábitos diferentes, como os criadouros preferenciais, horários de picada e proximidade com as habitações humanas. Na Terra Indígena Yanomami, uma ampla investigação feita por pesquisadores do Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz) revelou a diversidade dos vetores e a taxa de infecção das espécies, contribuindo para compreender o ciclo do agravo e traçar estratégias de controle.
O estudo abrangeu três regiões com altos índices da doença: Marari e Toototobi, no Amazonas, e Parafuri, em Roraima. Entre 2012 e 2015, mais de 6 mil mosquitos adultos e mais de 9 mil larvas de Anopheles foram coletados, além de 177 criadouros mapeados, com registro de características ecológicas e georreferenciamento. A partir do estudo, os cientistas propuseram uma nova classificação para os criadouros naturais destas áreas, incluindo descrição detalhada e medida dos criadouros. Também apresentaram melhorias nos métodos de coletas de larvas com uso de botes infláveis visando a otimização do trabalho. Ao todo, 12 espécies de anofelinos foram encontradas, sendo seis reconhecidas por atuar na transmissão da malária.
Coordenadora do estudo entomológico, a pesquisadoras Teresa Fernandes Silva do Nascimento, do Laboratório de Mosquitos Transmissores de Hematozoários do IOC, destaca que houve variações significativas entre as regiões e as aldeias. “O Anopheles darlingi é o principal vetor da malária no Brasil e confirmamos a importância dele em muitas comunidades. Porém, houve áreas onde esse vetor não foi detectado nesse estudo, sendo outras espécies identificadas. Por exemplo: o Anopheles oswaldoi que, embora não tenha sido encontrado infectado nas áreas yanomamis estudadas, é considerado vetor secundário em algumas áreas do Brasil, e o Anopheles nuneztovari, que é o vetor primário em algumas regiões da Venezuela e Colômbia”, pontua Teresa.
Os resultados da pesquisa foram publicados em três artigos científicos (nas revistas Memórias do Instituto Oswaldo Cruz, Parasites & Vectors e Genes) e na tese de Jordi Sánchez Ribas, desenvolvida no Programa de Pós-graduação em Biologia Parasitária do IOC. O trabalho foi orientado por Teresa e Joseli Oliveira Ferreira, pesquisadora do Laboratório de Imunoparasitologia do IOC.
Vetores mais prevalentes
Considerando as três regiões, quatro espécies de vetores foram as mais frequentes. O An. darlingi foi encontrado em todas as aldeias de Marari e Parafuri, sendo o mais comum em diversas delas. Porém, em Toototobi, a presença da espécie foi quase nula no período da pesquisa.
Mosquitos do complexo de espécies An. oswaldoi s.l. foram predominantes em aldeias de Toototobi e Parafuri. O complexo é composto por espécies crípticas: grupos de insetos com aparência muito semelhante, mas com diferenças genéticas e de comportamento, que influenciam na capacidade vetorial.
Ao analisar o genoma dos mosquitos, os pesquisadores identificaram um dos membros do complexo de espécies mais importantes na transmissão da malária: Anopheles oswaldoi A. Considerado na literatura como um vetor secundário da malária, o inseto pode ter papel importante na transmissão, como já foi observado em algumas áreas no Acre, em Rondônia e na Colômbia.
Principal transmissor da malária em regiões da Venezuela, da Colômbia e do Peru, o An. nuneztovari foi capturado em grande quantidade em uma única aldeia de Marari. Nas outras comunidades, esteve ausente ou foi raramente encontrado.
Por fim, o Anopheles intermedius predominou em uma aldeia de Toototobi e foi capturado com menor frequência em outras aldeias das três regiões. O mosquito é considerado um vetor secundário da malária, transmitindo a doença ocasionalmente.
Criadouros e horários de picadas
A maior parte dos mosquitos foi capturada fora das habitações indígenas, chamadas de shabono. Para algumas espécies como An. oswaldoi s.l. e An. nuneztovari s.l., o maior volume de picadas ocorreu no período do crepúsculo, quando os indígenas ainda praticam atividades externas, como tomar banho, pescar e coletar água. Porém, isso não ocorreu para o An. darlingi, cujo maior pico de atividade foi verificado ao redor da meia noite.
Segundo Teresa, nos locais com presença do An. darlingi, a transmissão da malária pode ocorrer também dentro dos shabonos, durante a noite. “An. darlingi foi a espécie mais encontrada dentro dos shabonos, embora tenha predominado no peridomicílio, nas áreas de Parafuri e Marari. Observamos dois picos de atividade desse vetor: no crepúsculo vespertino e perto de meia-noite. Nesse horário, os indígenas já estão dormindo e podem ser picados”, aponta a entomologista.
Reforçando o papel do vetor na transmissão da malária, oito espécimes de An. darlingi foram identificados com infecção por Plasmodium, parasito causador da doença. Os cientistas também detectaram o parasito em quatro An. intermedius e em um An. nuneztovari.
A proliferação do An. darlingi foi verificada principalmente em lagos associadas a rios, com grande exposição ao sol. Outros vetores apresentaram maior diversidade de criadouros, incluindo lagos, áreas inundadas, córregos e igarapés. De acordo com Teresa, o controle da malária é feito principalmente através do diagnóstico e tratamento dos indivíduos infectados. Medidas que buscam reduzir o contato com vetores também podem contribuir para conter a doença.
“Mosquiteiros impregnados com inseticida podem ser usados para reduzir as picadas à noite, mas é importante ter monitoramento constante para verificar se a tela não está rasgada e se é fechada corretamente, ou seja, se o uso dessa ferramenta está sendo adequado. Além disso, os criadouros próximos às aldeias podem ser monitorados para avaliar a presença de larvas e do principal vetor. Embora o manejo das grandes coleções liquidas, como os rios, não seja viável, pequenos criadouros podem ser eliminados”, enumera a pesquisadora.
O estudo entomológico integrou um grande projeto de pesquisa, que investigou também a ocorrência da malária e coinfecções com parasitoses intestinais e hepatites virais entre os yanomamis. Coordenado por Joseli, o projeto teve uma publicação recente, que apontou alto índice de parasitoses intestinais em cinco aldeias.
A pesquisa contou com apoio da Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai) e do Distrito Sanitário Especial Indígena Yanomami (DSEI Yanomami). Além do IOC, o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e a Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Rio de Janeiro (Faperj) financiaram o estudo.
- Fonte: Portal Fiocruz.
- Foto: Divulgação.