O aumento do número de casos de dengue em diferentes regiões do país em 2024 tem mobilizado gestores públicos, pesquisadores e profissionais de saúde para a implantação de ações de combate ao mosquito transmissor e ao enfrentamento do vírus em todo o território nacional. Segundo dados do Ministério da Saúde, são mais meio milhão de casos desde o início de 2024.
Durante sua visita ao Brasil no mês de fevereiro, o diretor-geral da Organização Mundial da Saúde (OMS), Tedros Adhanom Ghebreyesus, enfatizou que o surto de dengue no país é parte de um alarmante aumento global de casos. Ao longo de 2023, mais de 500 milhões de casos e 5 mil mortes foram registrados em cerca de 80 países. Tedros atribuiu esses números ao fenômeno El Niño e ao aumento das temperaturas globais.
Em entrevista para o portal da Fiocruz Paraná, a pesquisadora e chefe do Laboratório de Virologia da unidade, Claudia Nunes Duarte dos Santos, corrobora com as observações do diretor da OMS sobre o impacto do desequilíbrio ambiental na proliferação dos mosquitos vetores e alerta que a incorporação da vacina no Programa Nacional de Imunização é um recurso valioso, mas deve ser complementada por ações integradas de prevenção, vigilância e uma maciça participação da população e do poder público para eliminar o vetor. A cientista coordena o serviço de referência para o Ministério da Saúde em vírus emergentes e reemergentes.
Ao ser perguntada sobre qual a forma eficaz para combater a dengue, a cientista respondeu: “O combate a essa doença demanda um esforço coletivo, envolvendo intervenção efetiva do poder público e a participação ativa da população na eliminação dos focos do Aedes aegypti, vetor da doença, em áreas de residências e quintais, além de parques, praças e outras áreas comuns pois, se trata de um mosquito que coabita com humanos. Existem estratégias alternativas importantes como como o uso de mosquitos geneticamente modificados e a aplicação da técnica de Wolbachia e agora, mais recentemente a incorporação da vacina no Programa Nacional de Imunizações.
É importante ressaltar que a dengue nos traz um viés social, evidenciado pela presença de mais casos em regiões com menos acesso a recursos, em populações mais vulneráveis e por isso de medidas educativas aliadas a práticas preventivas são fundamentais.
A proliferação de mosquitos impacta diretamente na frequência e magnitude de surtos não apenas de dengue, mas de também outros vírus transmitidos por mosquitos como chikungunya e zika, mas o panorama atual apresenta desafios adicionais.
O aquecimento global e a destruição da biodiversidade alteram o ciclo destes vetores e a dinâmica de transmissão do vírus, essas mudanças afetam diretamente o ciclo biológico dos mosquitos, que depende fortemente de fatores como pluviosidade (disponibilidade de pontos com água para a postura dos ovos) e temperaturas mais altas para a eclosão dos ovos e geração de mosquitos adultos.
Estes fatores culminaram com a dispersão de mosquitos vetores e consequentemente da doença para áreas antes consideradas livres por apresentarem condições adversas ao mosquito com temperaturas mais baixas e maiores altitudes. Atualmente, os vetores da dengue (e outras arboviroses) apresentam potencial de atingir distâncias mais longas e altitudes mais elevadas, contribuindo para a propagação do vírus.
Além disso, estes fatores podem alterar o tempo de replicação do vírus no mosquito (período de incubação extrínseco), tornando-o competente para infectar pessoas em um período mais curto. Outro agravante é a resistência do mosquito aos inseticidas, mais um dos recursos que podem ser utilizados no combate à dengue.”
Quanto a eficiência da vacina, Claudia nunes pontuou: Realmente, mas não existe no momento uma bala de prata para a erradicação da dengue. Trata-se de uma doença complexa causada por quatro vírus relacionados entre si mas diferentes (dengue 1,2 3 e 4), que podem co-circular em uma mesma região. Ademais é uma imunopatologia, isto é, os sinais clínicos estão relacionados à resposta do hospedeiro à infecção, aumentando ainda mais os desafios. A vacina é um recurso valioso, mas devido ao número de doses que a empresa é capaz de produzir, foi direcionada a um dos grupos mais vulnerável, e para áreas mais afetadas. Desta forma, as ações de combate ao mosquito vetor, medidas educativas sobre a eliminação de criadouros, uso de barreiras físicas como repelentes, aliados a intervenções contínuas do poder público, são ferramentas fundamentais para o enfrentamento da dengue e outras arboviroses (vírus transmitidos por artrópodes). É preciso uma abordagem abrangente e ações coordenadas para combater eficazmente o vetor e reduzir o número de casos. A conscientização sobre a gravidade da situação é essencial diante do aumento significativo de casos e mortes no país.
Diferente de outros arbovírus que causam doenças como zika, febre amarela e chikungunya, o vírus da dengue apresenta quatro sorotipos denominados DENV-1, DENV-2, DENV-3 e DENV-4 e cada um apresenta diferentes variações genéticas. Por essa complexidade é que levamos algumas décadas para desenvolver esse imunizante que será oferecido pelo SUS agora. Alterei um paragrafo acima relacionado a este.
Como todos os vírus que possuem o material genético composto por uma molécula de RNA polaridade positiva, o vírus da dengue apresenta alta capacidade de mutação devido à ausência de mecanismos que permitem “consertar erros” durante a replicação do RNA viral. Essas mutações podem tornar o vírus mais competente e mais adaptado, influenciando aspectos do perfil clínico e da transmissão da doença. Nesse sentido, o sequenciamento genômico e a vigilância ativa, realizados por redes laboratoriais de referência, são cruciais para identificar novos vírus, potenciais marcadores de gravidade a novas áreas de circulação, podendo expor populações mais suscetíveis.
É importante que o poder publico retome de forma coordenada e contínua ações robustas de enfretamento a dengue e outros vírus emergentes no sentido de possuir competência instalada, como: financiamento de pesquisas, formação de recursos humanos, contratação de agentes/servidores de saúde, vigilância epidemiológica contínua, visando resolver as crises sanitários antecipadamente e não como vem acontecendo ao longo dos anos, à medida que elas acontecem, de forma emergencial e descoordenadas.” concluiu
Fonte: ICC/ Fiocruz Paraná
Ilustração: Marcus Reis
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