sexta-feira, novembro 22, 2024

Debate na CMM sobre merenda escolar revela necessidade da boa alimentação infantil em Manaus

Enquanto os vereadores de oposição cobram reuniões e fazem denúncias sobre a qualidade dos alimentos, os vereadores de base tentam justificar 'bolacha e suco' na merenda escolar

Com mais de 500 mil famílias do Amazonas em situação de insegurança alimentar, conforme os dados do IBGE de 2023, a escola tem um papel essencial no auxílio ao enfrentamento a esse problema que atinge a sociedade como um todo. Durante os últimos dias, a Câmara Municipal de Manaus (CMM) tem levantado a questão sobre a qualidade da merenda escolar servida nas escolas municipais da capital amazonense. No entanto, uma fala do presidente da Comissão de Educação, o vereador Professor Samuel (PSD), repercutiu nas últimas horas e deixou aberto o questionamento: “Qual a importância da alimentação escolar?”.

Como noticiou O Convergente, após denúncias de irregularidades e suposto desvio de merenda escolar na unidade, o Ministério Público do Amazonas (MPAM) instaurou um Procedimento Preparatório para investigar os fatos, conforme publicado no Diário Oficial do MPAM, dessa quarta-feira (22). Ao falar sobre o assunto da qualidade da alimentação nas escolas, o vereador Professor Samuel apontou que ‘merenda não é almoço’, e justificou que se as unidades servem biscoito com suco, é porque também existe um acompanhamento para isso.

Baseada nas falas e na repercussão do caso, O Convergente buscou contato com uma profissional nutróloga, que explicou sobre a relação entre a alimentação escolar e a saúde das crianças. Para a equipe de reportagem, a Dra. Cristiane Lopes pontuou que a alimentação nas unidades de ensino desempenha um papel importante no desenvolvimento e na saúde das crianças e adolescentes, porém, existe a preocupação com os alimentos industrializados.

“A alimentação nas escolas desempenha um papel crucial na saúde e no desenvolvimento de crianças e adolescentes. Infelizmente, a predominância de alimentos industrializados nas cantinas escolares tem gerado preocupações significativas. Esses produtos, ricos em açúcares, gorduras saturadas e sódio, mas pobres em nutrientes essenciais, contribuem para uma série de problemas de saúde”, disse.

A nutróloga ainda comentou que um dos impactos mais alarmantes é a obesidade infantil, diabetes tipo 2, hipertensão, além de deficiências nutricionais. Entre os alimentos que a profissional de saúde apontou que podem ocasionar esse tipo de problema são os biscoitos e sucos de caixinha, alimentos parecidos com os que são servidos em algumas escolas de Manaus.

“Além disso, a falta de fibras nos alimentos industrializados pode causar problemas digestivos, enquanto a ingestão excessiva de açúcares pode prejudicar o desempenho escolar e a capacidade de concentração. Exemplos comuns de alimentos industrializados consumidos nas escolas incluem salgadinhos, refrigerantes, biscoitos recheados, sucos de caixinha e embutidos. Esses produtos não apenas oferecem pouco valor nutricional, mas também podem levar ao desenvolvimento de hábitos alimentares prejudiciais que persistem na vida adulta”, destacou.

A nutróloga ainda reforçou que é essencial promover uma alimentação saudável nas escolas, incentivando o consumo de frutas e vegetais, por exemplo, e restringir o consumo de produtos industrializados.

“Para combater esses efeitos negativos, é essencial promover uma alimentação saudável nas escolas, incentivando o consumo de frutas, vegetais e alimentos minimamente processados. Políticas escolares que restrinjam a oferta de alimentos industrializados e programas de educação nutricional podem fazer uma diferença significativa na saúde e no bem-estar das futuras gerações”, comentou.

Além disso, a Dra. Cristiane Lopes enfatizou que uma boa alimentação pode auxiliar na melhor concentração e desempenho acadêmico das crianças e adolescentes. “A má alimentação pode afetar a capacidade cognitiva e o desempenho escolar. Estudos mostram que crianças que consomem uma dieta equilibrada têm melhor concentração, memória e desempenho acadêmico. A ingestão excessiva de açúcar pode causar picos e quedas de energia, afetando a atenção e o comportamento”, disse.

Biscoito e suco

Nesta semana, os vereadores de oposição fizeram denúncias sobre irregularidades na qualidade da merenda escolar na Escola Municipal Joaquim da Silva Pinto, uma das unidades que oferecem ensino direcionado a crianças com deficiência em Manaus.

De acordo com os parlamentares, existe um cardápio montado pela Secretaria Municipal de Educação. No entanto, o mesmo não é seguido, pois por dias seguidos, os alunos fazem a alimentação de biscoito e suco.

A denúncia foi recebida pelo Ministério Público do Amazonas (MPAM), que instaurou um Procedimento Preparatório para apurar os fatos, tanto o suposto desvio de merenda escolar na unidade quanto a insuficiência do cardápio servido na escola.

O promotor de Justiça Marcelo Pinto Ribeiro assinou o documento, determinando o registro da instauração do procedimento e solicitando informações ao Conselho Municipal de Alimentação Escolar, incluindo uma cópia do relatório de visita à unidade.

O vereador Capitão Carpê (PL) exibiu um vídeo no qual visitou a escola e conversou com os funcionários. “Segunda-feira é um desafio maior para preparar uma refeição completa […] é inaceitável que, em cinco dias, dois deles sirvam bolachas com suco; é essa a merenda adequada para as crianças, especialmente as PCDs? O orçamento da Semed representa 26% dos 9 bilhões da cidade de Manaus”, afirmou o parlamentar.

O que tem feito a Comissão de Educação na CMM?

Com as denúncias sobre a qualidade da alimentação escolar, o presidente da Comissão de Educação, o vereador Professor Samuel (PSD) defendeu que não havia como a distribuição dos produtos ser ‘perfeita’ em 500 escolas do município e, além disso, ainda pontuou que ‘merenda não é almoço’.

“A merenda escolar é acompanhada continuamente por nutricionistas, acompanhando a preparação e a distribuição da merenda. Vale dizer que merenda é merenda, não é almoço! […] Eu não posso querer encher de proteína, se não, ninguém almoça. Não sou contra que se coloque, mas, de repente serve-se uma bolacha com suco e biscoito e é condenado. Acredito que é acompanhado por um profissional”, enfatizou.

A fala do parlamentar repercutiu de maneira negativa nas redes sociais, uma vez que meio milhão de amazonenses sofrem com insegurança alimentar. Levando isso em consideração, O Convergente buscou contato com todos os integrantes da Comissão de Educação da CMM para questionar como a Comissão tem atuado referente às denúncias.

O vice-presidente da Comissão de Educação, o vereador Dr Eduardo Assis (Avante), apontou que o gabinete não recebeu qualquer denúncia sobre a qualidade da merenda escolar. “No nosso gabinete não chegou nenhuma denúncia, peço aos pais que encaminhem ao nosso gabinete ou podem vir presencialmente no meu gabinete na Câmara Municipal de Manaus”, disse através da assessoria.

O vereador Rodrigo Guedes (PP), que é membro titular da Comissão de Educação, classificou o posicionamento do presidente da Comissão como ‘desumana’ e cobrou que seja feita uma investigação profunda sobre a transparência das verbas federais destinadas para a alimentação escolar das escolas municipais de Manaus.

“Essa bajulação chegou ao nível de ignorar a merenda escolar, a nutrição e alimentação dos alunos das escolas públicas, porque muitas delas, a merenda escolar é a única refeição do dia, então dizer que é natural que seja bolacha e suco, é realmente desumano. Temos informações de que se serve bolacha e suco em alguns dias da semana, a Prefeitura de Manaus reforça a insegurança alimentar e a desnutrição das crianças […]. Tenho pedido desde janeiro de 2024 a CPI da Semed para investigar, entre outas coisas, a merenda escolar, paramos em 10 assinaturas e espero que possamos continuar. A Prefeitura recebe milhões de reais em verbas federais para fins de aplicação na merenda escolar e fazemos um apelo, até a própria Polícia Federal, para investigar o que está acontecendo com a merenda escolar em Manaus”, afirmou ao O Convergente.

Através da assessoria, o vereador Raiff Matos (PL), membro titular da Comissão, também comentou sobre o assunto e também pontuou que já fez cobranças sobre reuniões da Comissão de Educação da CMM para tratar sobre diversos temas relevantes para a educação. O vereador ainda afirmou que tem a impressão de que as decisões estão sendo tomadas de forma individualizada, sem debater com os demais integrantes.

“Eu já me manifestei sobre esse problema no Plenário da CMM, questionando exatamente a ausência de reuniões da Comissão de Educação da Casa para tratar sobre temas relevantes para a educação municipal. Por isso, estou cobrando oficialmente uma fiscalização da comissão sobre as denúncias de problemas na merenda escolar nas escolas municipais. A impressão que eu tenho é que as decisões estão sendo tomadas de forma individualizada sem passar pela comissão de educação”, pontuou.

Ao O Convergente, a vereadora Professora Jacqueline (UB) classificou como ‘infeliz’ o comentário do presidente da Comissão de Educação e ainda enfatizou que existe uma lei municipal, que é de autoria dela, que dispõe sobre a transparência do cardápio da merenda para os membros da comunidade escolar.

“Houve um equívoco muito grande na fala do Professor Samuel […]. Essas crianças, muitas delas não têm o que comer em casa, muitas delas fazem a primeira refeição na escola. O governo federal garante verba para isso, mas não está havendo essa transparência na aquisição dos gêneros alimentícios. Inclusive, tem uma lei, da minha autoria, que tem que colocar disposto na escola sobre o cardápio do dia […], e nesse cardápio não tem essa obrigatoriedade de ser só bolacha e suco […]. Acho que ele foi infeliz na fala dele, não estou aqui para condená-lo, mas muitas vezes o aluno vai com fome para a escola, não tem como se alimentar, e aquele pode ser o único alimento do dia, por isso temos que garantir esse balanceamento na alimentação”, explicou.

Vale ressaltar que O Convergente também entrou em contato com o presidente da Comissão, o vereador Professor Samuel (PSD), e os integrantes titulares vereador Fransuá (PSD) e vereador Eduardo Alfaia (Avante). Até a publicação desta matéria, não houve retorno. O espaço segue aberto para justificativas.

Opinião pública

A fala do presidente da Comissão de Educação gerou insatisfação na população. Em comentários nas redes sociais, os manauaras destacaram o fato de algumas crianças não terem uma boa alimentação em casa e o dever do município em garantir a qualidade nesses casos.

Vale lembrar que, de acordo com o Portal da Transparência da Prefeitura de Manaus, a Secretaria Municipal de Educação recebeu R$ 24,5 milhões do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), em janeiro deste ano, referentes ao Programa Nacional de Alimentação Escolar. Destaca-se que a transferência é válida para todo o ano letivo.

Com o montante substancial, a Semed distribuiu os recursos entre as redes de ensino por categoria. A escola de educação especial, por exemplo, obteve um orçamento de R$ 187 mil para a merenda escolar.

O maior valor foi destinado à pré-escola, totalizando R$ 6,7 milhões. As creches receberam um orçamento de R$ 1,7 milhões; as escolas indígenas foram contempladas com R$ 120 mil; as unidades de educação de jovens e adultos receberam R$ 1,1 milhão; e o ensino médio foi alocado com um orçamento de R$ 290 mil.

Lei sobre alimentação escolar

Em relação a garantia das escolas sobre dispor uma boa alimentação aos alunos da rede pública, tanto estadual quanto municipal, foi criada a lei nº 11.947, de 16 de junho de 2009, que “dispõe sobre o atendimento da alimentação escolar e do Programa Dinheiro Direto na Escola aos alunos da educação básica”.

A lei ainda afirma que são diretrizes da alimentação escolar “o emprego da alimentação saudável e adequada, compreendendo o uso de alimentos variados, seguros, que respeitem a cultura, as tradições e os hábitos alimentares saudáveis, contribuindo para o crescimento e o desenvolvimento dos alunos e para a melhoria do rendimento escolar, em conformidade com a sua faixa etária e seu estado de saúde, inclusive dos que necessitam de atenção específica”.

E garante que a alimentação escolar “é direito dos alunos da educação básica pública e dever do Estado e será promovida e incentivada com vistas no atendimento das diretrizes estabelecidas nesta Lei”.

A lei citada pela vereadora Professora Jacqueline é a lei nº 408, de 27 de março de 2015, que “dispõe sobre a divulgação do cardápio de alimentação escolar da Rede Pública Municipal de Ensino”.

De acordo com a lei “os cardápios deverão ser planejados pela equipe técnica de alimentação escolar do quadro da Secretaria Municipal de Educação – SEMED, acompanhada pelo Conselho de Alimentação Escolar do Município de Manaus –CAE/Manaus, de modo a atender ao que estabelece a legislação federal vigente”.

Outro lado

Tanto no caso de denúncia quanto sobre a montagem do cardápio da merenda escolar, O Convergente entrou em contato com a Secretaria Municipal de Educação e com o Conselho de Alimentação Escolar de Manaus. A equipe de reportagem não obteve retorno de ambos os órgãos até a publicação desta matéria. O espaço segue aberto.

*Com informações do O Convergente

Leia mais: Projeto Preme: Rede estadual de ensino receberá mais de 125 toneladas de produtos regionais para a merenda escolar

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