O PL 1904/2024, que equipara o aborto ao crime de homicídio, foi tema de debate durante a sessão plenária da Câmara Municipal de Manaus (CMM), nesta terça-feira (18). Os comentários iniciaram logo no começo da sessão pelo vereador Raiff Matos (PL).
Ao subir na tribuna, o vereador afirmou que havia preparado um texto para comentar sobre o assunto, para evitar erros durante o discurso. Ele se posicionou a favor do PL, mas suas falas geraram polêmica ao afirmar que o homicídio é pior que o estupro ao se posicionar contra o aborto nesses casos.
“Entendo que o estupro é um crime abominável que precisa ser tratado com o máximo rigor da lei, mas não podemos ignorar o crime cometido contra uma vida que está dentro do ventre, totalmente indefesa. Por que essa criança precisa morrer? Um crime não pode ser justificado por outro crime, isso é inaceitável. Espero que esses deputados tirem a venda dos olhos, porque pior que o estupro é o homicídio”, comentou o vereador.
Após as falas de Matos, o vereador Marcelo Serafim (PSB) chamou a atenção do colega ao defender o PL, destacando que o texto tende a punir criminalmente a mulher que abortar após 22 semanas.
“Penalizar uma mulher de forma mais rígida que um estuprador é algo que vossa excelência, como cristão, não pode defender. Entendo sua fala, mas faça esse reparo. Estuprador é estuprador!”, afirmou Serafim.
Atualmente, a legislação brasileira permite a interrupção da gestação em três ocasiões: estupro, risco de morte à mulher e anencefalia do feto. Caso o PL 1904/2024 seja aprovado, a pena máxima para esses casos passará a ser de 20 anos nos casos de abortos cometidos após 22 semanas, sendo maior que a pena de estupro vigente atualmente no Brasil, que é de 6 a 10 anos de prisão, ampliada para até 12 anos em casos de violência grave.
O vereador Marcel Alexandre (PL) também se pronunciou sobre o assunto e defendeu que, no Brasil, a maioria dos nascimentos não resulta de estupros, mas de relações consensuais.
“Há mais nascimentos desejados frutos de relacionamentos consensuais do que de estupro. Nós não somos uma sociedade cuja maior parte do comportamento do relacionamento é de estupro, ele é de relacionamento consensual, de amor. […] Infelizmente, estupros e gravidezes indesejadas acontecem, mas permitir que essas situações ditem os parâmetros da decisão é um erro”, avaliou o parlamentar.
De acordo com dados do DataSUS, de 1994 a 2019, mais de 675 mil crianças nasceram de meninas de até 14 anos no Brasil, sendo que 14 nasceram de menores de 10 anos. Qualquer ato sexual praticado com menores de 14 anos é considerado estupro e, caso resulte em gravidez, o direito à interrupção da gestação em caso de estupro está garantido pelo Código Penal.
Ao falar sobre o assunto, o vereador Rodrigo Guedes (PP) criticou a frase de Raiff Matos ao comparar o estupro com o homicídio, destacando que não se pode usar frases desse tipo para se posicionar contra o aborto.
“Não consigo concordar com a frase de vossa excelência: ‘Pior do que o estupro é o homicídio.’ Para algumas mulheres, o estupro é tão devastador que prefeririam morrer, pois destrói todo o seu psicológico. Não podemos usar esse tipo de frase para defender uma posição, pois é absurdamente ofensiva”, disse Guedes.
Mulheres se posicionam
Depois dos homens se pronunciarem sobre o assunto, a vereadora Professora Jacqueline (UB) também se manifestou sobre o PL 1904/2024, destacando o direito das mulheres nos casos de estupro e a importância de levantar o debate nas Casas Legislativas.
“Nós, mulheres, estamos sendo revitimizadas. Além de sermos estupradas, somos consideradas homicidas. Pegamos duas vezes a pena. É uma questão de vida, pois muitas perdem suas vidas quando foram estupradas e ficam amargando o sentimento. […] Além de ser considerado inconstitucional pela OAB, é um debate que precisamos levantar nesta Casa e nas Casas Legislativas, pois não podemos pensar que a mulher é a culpada de tudo”, comentou Jacqueline.
A vereadora Yomara Lins (Podemos) também comentou sobre o assunto, falando sobre os traumas das mulheres vítimas de estupro, mas afirmou que é preciso “preservar a vida”.
“Mesmo com a dor de quem sofre o estupro, um mal não pode ser pago com outro. Devemos sim preservar a vida, dar o direito daquela criança de nascer, ser um ser humano e mudar aquela história. Não estamos falando sobre religião, mas estamos defendendo o direito daquela criança nascer, pois ela não é culpada”, afirmou Lins.
PL 1904
O texto, de autoria do deputado Sóstenes Cavalcante (PL-RJ) e outros 32 parlamentares, fixa em 22 semanas de gestação o prazo máximo para abortos legais. Atualmente, a lei permite o aborto nos casos de estupro, risco de vida à mulher e anencefalia fetal. Hoje, não há no Código Penal um tempo máximo de gestação para o aborto legal.
O aborto não previsto em lei é punido com penas que variam de um a três anos, quando provocado pela gestante ou com seu consentimento, e de três a dez anos, quando provocado sem o consentimento da gestante.
Caso o projeto seja aprovado, a pena máxima para esses casos será de 20 anos nos casos de abortos cometidos após 22 semanas, igual à do homicídio simples previsto no artigo 121 do Código Penal.
*Com informações do O Convergente
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