Em um artigo publicado por Lenio Luiz Strech, professor, parecerista, advogado e sócio fundador do Streck & Trindade Advogados Associados, fez críticas às decisões do Tribunal de Justiça do Amazonas (TJAM), e disse que a atuação do Tribunal tem sido ‘contra a lei’.
Ao decorrer do artigo, o professor afirma que as decisões do TJAM não condizem com a doutrina e a jurisprudência. Segundo ele, o Tribunal estaria dizendo que, agir em legítima defesa só poderá ser usado a favor do réu quando provada de forma insofismável.
Ainda de acordo com o professor, ele afirma que o TJAM “se equivocou” com as tomadas de decisões que vem tendo.
Confira o artigo na íntegra:
“O Brasil é um país sem precedentes (ver aqui). Nas duas acepções do enunciado. O que tem aqui não tem precedente em outros países. Por outro lado, não tem precedentes porque o que aqui se faz é tudo, menos precedentes. Aliás, precedentes não são fabricados, editados.
Não são feitos pro futuro. Precedentes são casos julgados aplicados a outros casos de forma contingencial, conforme explico no livro Ensino Jurídico e(m) Crise, especialmente na parte do glossário em que trato de “precedentes”. E em tantos outros textos e obras.
Não só os tribunais superiores, ao fazerem precedentes, legislam. Indevidamente. Basta ver a decisão do Supremo Tribunal Federal estabelecendo prisão automática para o Júri. Vejo que os tribunais dos Estados e regionais também legislam.
Indo além
Com efeito, o Tribunal de Justiça do Amazonas resolveu, mais do que legislar, avançar para dentro dos direitos de garantia estabelecidos pela Constituição e CPP. Isto é, não basta legislar. Tem de ser contra a lei.
Com efeito, conforme a Resolução TJ-AM nº 56/2023, nos autos do Recurso em Sentido Estrito, processo digital nº 0211810-94.2023.8.04.0001, foi editada tese (ou súmula), de relatoria da desembargadora Carla Maria Santos dos Reis, que fixou o seguinte enunciado no referido incidente:
Vamos lá. Quais os fundamentos normativos que dão guarida a que o TJ faça uma súmula (ou uma tese — isso não ficou claro) que restrinja direitos fundamentais e/ou que faça uma espécie de nova redação do CPP? Essa é a questão. Bom, a resposta até pode ser: mas o STF também faz.
No Brasil parece que o Legislativo, de tanto fazer emendas parlamentares, perdeu seu espaço de legislar e o Judiciário lhe tomou o lugar.
Se for uma súmula, esqueceu o TJ-AM que essa é formada por precedentes? Afinal, quais foram os precedentes que perfizeram a fundamentação do referido enunciado?
E, afinal, o que quereria dizer o tribunal com o enunciado “A absolvição sumária fulcrada na tese da excludente de ilicitude é medida excepcional que deve ser acolhida apenas quando restar comprovada de modo insofismável, sob pena de subversão à competência constitucional do Tribunal do Júri?”
E nem a doutrina e a jurisprudência permitem essa interpretação. Ou seja, o TJ está dizendo que agir em legítima defesa só poderá ser usado a favor do réu quando provada de forma insofismável… O que seria “insofismável”? Para além de um sofisma? O que é um sofisma jurídico? O sujeito mata em legítima defesa…e em que momento a prova apta para evitar o júri poderá ser utilizada? Será que haverá um “sofismômetro”? Um “provômetro”? Em que momento o aparelho “apita”? O que, repito, pretende o TJ com esse enunciado — que parece ser vinculante no Estado?
Precisamos falar sobre essa dita “cultura de precedentes” ou sabe-se lá o nome desse poder auto outorgado de fazer regras gerais e abstratas como se legislador fosse.
Invocando o princípio da caridade epistêmica, o TJ-AM se equivocou. Na forma e no conteúdo.
Numa palavra final: imaginemos uma súmula dizendo: uma prova ilícita somente será ilícita se a ilicitude for “insofismável”? Ou “uma absolvição por insuficiência de provas só poderá ser feita se a insuficiência for insofismável? Ou “o réu só poderá ser absolvido se a prova disso for insofismável…”!