sábado, abril 19, 2025
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Páscoa no Amazonas: entre a fé, o consumo e a saudade da mesa cheia

De acordo com a Fecomércio-AM, o comércio esperava um crescimento tímido nas vendas de Páscoa este ano. O mercado está cauteloso, e os consumidores também.

A Páscoa sempre foi mais do que uma data religiosa no Amazonas. Para além da celebração da ressurreição de Cristo, ela carregava um sentido forte de encontro, de partilha, de afeto ao redor da mesa. Era tempo de reunir a família, mesmo que fosse só para comer um peixe assado com farinha, suco de cupuaçu gelado e boa conversa.

Quem cresceu em Manaus lembra da tradição de comprar o peixe fresco na Manaus Moderna, no corre-corre do Sábado de Aleluia, debaixo de sol forte e com sacolas cheias de jaraqui, matrinxã ou tambaqui. Era a hora em que os portos fervilhavam, não só de peixes e comerciantes, mas de reencontros. Muita gente viajava pelos rios, saía dos interiores ou chegava da capital só pra rever a família nessa época. Era um tempo em que os barcos vinham cheios e os corações também.

Hoje, vemos essa tradição esvaziada. A mesa que antes era cheia, agora muitas vezes está vazia, não só de comida, mas de presença. A Páscoa foi tomada pela lógica do mercado: ovos de chocolate caríssimos, vitrines com apelos ao consumo e menos espaço para o verdadeiro sentido da data. A fé virou vitrine, e o comércio tomou o lugar do ritual familiar.
Mesmo com eventos culturais importantes acontecendo, como a Cantata de Páscoa, o Musical Paixão pela Vida e a Caravana da Páscoa em Manaus, é difícil não sentir que a celebração perdeu algo essencial: o calor humano, o cheiro do peixe frito, as mãos juntas em oração antes da refeição.

De acordo com a Fecomércio-AM, o comércio esperava um crescimento tímido nas vendas de Páscoa este ano. O mercado está cauteloso, e os consumidores também. Mas talvez o mais importante não seja o quanto se vende, e sim o quanto se compartilha. Quantas famílias ainda se reúnem? Quantas ainda mantêm viva a tradição do peixe e da fé?
É preciso pensar em estratégias para resgatar esse espírito. Incentivar ações comunitárias nos bairros, feiras de peixe com preços acessíveis, campanhas educativas que falem sobre o sentido da Páscoa para além do consumo. As igrejas podem se unir aos coletivos culturais e comunitários para resgatar as celebrações em família e nos espaços públicos. Que tal transformar a Semana Santa em um movimento coletivo de reencontro com nossas raízes?

A Páscoa não precisa ser um desfile de chocolates nas prateleiras, ela pode, e deve, voltar a ser memória viva: do peixe comprado no porto, da avó que rezava antes do almoço, do tio que vinha de canoa só pra estar presente. Porque no fundo, mais do que uma data no calendário cristão, a Páscoa é o que carregamos no coração. E o nosso, amazônico, sabe muito bem o valor de uma mesa cheia e de um abraço em casa.

Por Érica Lima

Érica Barbosa
Érica Barbosa
Assistente social, Prof.a mestra em saúde, empresária e pesquisadora
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