sexta-feira, novembro 22, 2024

Brasil – Segundo estudos, a renda dos brasileiros foi menos desigual de 2002 a 2015.

Um novo estudo poderá mudar, pela terceira vez, em menos de uma década, à interpretação do que tem ocorrido com a desigualdade de renda no Brasil desde o início deste século.

Feito por economistas do Insper, o trabalho inédito, ao qual a Folha teve acesso, mostra que a disparidade na distribuição de recursos no País caiu de forma ininterrupta entre 2002 e 2015, voltando a aumentar em 2016 e 2017, mas para um nível inferior ao da virada do milênio.

Os resultados do novo trabalho indicam que todas as fatias da população adulta brasileira — dividida em cem partes iguais, os chamados centésimos da distribuição — situadas abaixo dos 29% mais ricos tiveram crescimento em suas rendas anuais acima da média nacional de 3%, no período analisado.

Já as parcelas da população distribuídas acima desse corte aferiram crescimento médio anual de suas rendas entre 2,4% e 2,9%, inferior, portanto, à média do País. A exceção foram duas fatias próximas ao topo da pirâmide da riqueza do País.

Essa configuração estaria por trás da queda da desigualdade brasileira medida pelo índice de Gini, métrica que vai de 0 (patamar hipotético que refletiria uma sociedade onde os recursos são igualmente distribuídos) a 1 (nível também conceitual, que indicaria um extremo de iniquidade).

Os cálculos indicam que o Gini do Brasil recuou de 0,583 para 0,547, entre 2002 e 2017. O resultado, segundo os economistas, correspondeu à saída de 16 milhões de pessoas da pobreza, no período.

NOVOS RESULTADOS CONTRARIAM DIAGNÓSTICOS ANTERIORES

Os resultados obtidos pela equipe do Insper contrariam dois diagnósticos que já haviam mudado a percepção de que a concentração de renda no Brasil diminuía na esteira de fatores como ampliação do acesso à educação e programas de transferência de renda. Ao obter um melhor retrato dos rendimentos dos mais ricos, o primeiro deles mostrava que a desigualdade brasileira tanto era mais alta do que se imaginava anteriormente, quanto permanecia em um nível de relativa estabilidade, não de queda.

Mais recentemente, uma segunda conclusão ainda mais preocupante surgiu.

Em uma nota técnica publicada em dezembro de 2020, os pesquisadores Mauricio de Rosa, Ignacio Flores e Marc Morgan, do World Inequality Lab, centro fundado e codirigido pelo reputado economista francês Thomas Piketty, apresentaram cálculos novos que indicavam um aumento da concentração de renda brasileira.

Os dados que mostram essa trajetória estão disponíveis no site do grupo, o WID.world, e alarmaram a Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal), um dos principais centros de diagnóstico sobre problemas econômicos e sociais da região.

“Em alguns casos, como os de Brasil e México, a desigualdade não apenas não caiu, como aumentou, gerando, portanto, um novo alerta para um olhar atento ao processo de distribuição efetiva de renda nos países da região”, ressaltou o Panorama de Indicadores Sociais, publicado em março deste ano pela instituição, em referência ao trabalho dos três pesquisadores.

Em uma entrevista por e-mail com a Folha, Morgan disse que esses resultados serão em breve revistos e que as séries de diferentes indicadores da desigualdade de renda brasileira serão substituídos. Segundo ele, os novos números incluem no cálculo da renda do País transferências do setor público para educação e saúde, que, até então, não eram consideradas nas metodologias do centro de Piketty.

Com isso, explica Morgan, o retrato da desigualdade brasileira será de maior estabilidade e, considerando um dos recortes — o da evolução da fatia da renda apropriada pelos 50% mais pobres do País —, ela, inclusive, recuará.

“A análise de impostos e transferências é um novo aspecto do nosso trabalho, que mostra a importância de transferências de renda sociais (como saúde e educação) para reduzir a desigualdade no Brasil”, diz o economista.

Foi justamente a percepção de que os trabalhos de anos recentes, tanto de Morgan quanto de outros pesquisadores, falhavam na mensuração da renda dos brasileiros mais pobres que levou os professores do Insper, Ricardo Paes de Barros, Laura Muller Machado e Samir Cury e o diretor da Oppen Social Samuel Franco a construírem uma nova metodologia.

O resultado do trabalho que eles desenvolveram nos últimos quatro anos será apresentado publicamente, pela primeira vez, na segunda-feira, 25, em um webinar promovido pelo Insper.

Assim como Piketty e seus colegas, os quatro especialistas brasileiros usaram uma combinação entre dados da Receita Federal, das contas nacionais e de entrevistas domiciliares.

Mas, além de detalhes metodológicos diferentes na apuração e análise dessas informações, a grande novidade do novo trabalho é o uso da POF (Pesquisa de Orçamentos Familiares) e não da Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios) como o ponto de partida e a espinha dorsal no cálculo de construção da distribuição de renda do País.

Piketty inovou ao usar os dados de declarações tributárias para recalcular séries históricas, primeiro de países desenvolvidos e depois de emergentes, argumentando que eles capturam melhor os rendimentos dos mais ricos.

Esse diagnóstico é, hoje, praticamente consensual. Mas faltava corrigir uma nova distorção possivelmente causada pelo uso dos dados tributários: a subestimação da renda dos pobres.

Além de contabilizar como renda transferências como acesso à educação pública — o que Morgan explicou que está fazendo agora em seu trabalho —, o estudo do Insper e da Oppen Social também captura fontes não monetárias de recursos, como doações de cesta básica ou até extração de lenha para geração de energia.

“A POF oferece um ponto de partida melhor, porque parte importante da renda dos mais pobres é não monetária”, afirma Paes de Barros, também conhecido como PB e considerado um dos expoentes brasileiros na pesquisa sobre pobreza, gastos sociais e educação e um dos idealizadores do Bolsa Família.


  • Fonte: Revista Cenarium.
  • Foto: Divulgação.

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