domingo, maio 12, 2024

Mais de 700 Famílias manauaras em risco “no” STJ

Decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) poderá definir se mais de 700 (setecentas) famílias manauaras terão teto para morar nos próximos tempos e se as políticas públicas envolvendo o povo vulnerável tem relevância socialnaquela casa de justiça.

Em um primeiro caso, este diretamente ligado ao STJ, 450 (quatrocentos e cinquenta) famílias da “Comunidade Parque Rio Simões II” – muitos ainda sem saber –, anseiam que o Superior Tribunal visualize o interesse público primário na tutela de políticas públicas de moradia e dos direitos indisponíveis atinentes, ao mínimo vitais, das pessoas envolvidas. Até o presente momento, porém, o STJ deu prevalência à tutela do patrimônio imóvel de Empresa de Energia em detrimento da dignidade de pessoas, sob o argumento de se tratar de litígio meramente privado para o qual a Defensoria não teria, por esse motivo, legitimidade e interesse.

Na verdade, dentre tantos outros argumentos jurídicos (veja aqui), é muito fácil perceber o quanto o litígio envolve interesse público (primário) tutelado também pela própria Defensoria Pública por força da Lei e da Constituição.

Em primeiro lugar, nota-se a eleição, pelo legislador federal, dos procedimentos possessórios multitudinários ou coletivos para comportar intervenções obrigatórias do Ministério Público (Custos Legis) e da Defensoria Pública – Custos Vulnerabilis (CPC, art. 554, § 1º e art. 565, § 2º). Nesses casos, a Defensoria Pública tem legitimidade institucional para conduzir os interesses constitucionais dos necessitados aos tribunais.

Em segundo lugar – em razão da eleição legislativa mencionada no parágrafo anterior e da natureza social de tais litígios –, trata-se de um processo civil de interesse público (um “Public Law Litigation), notoriamente suplantando a expectativa jurídica de atores privados eventualmente envolvidos no processo. Há transcendência social em tal espécie de causas.

E, por terceiro, centenas de pessoas e seus problemas sociais não desaparecerão por um “passe de mágica judicial”. Antes, na verdade, levarão suas questões para outras zonas, causando outras lesões sociais. Ou seja, as decisões de reintegrações coletivas de posse, de centenas de famílias impactam negativamente em políticas públicas de moradias e outros direitos sociais, causando grave lesão à ordem pública – exatamente o requisito do pedido de suspensão aos tribunais.

Noutro passo, poder-se-ia questionar a própria legitimidade da Defensoria Pública para tais incidentes de suspensão, por não ser expressa na lei. Contudo, tal questão é facilmente resolvida. Não é de hoje que, em questões coletivas, o STF e o STJ usam a relevância social do direito em juízo para garantir legitimidade defensorial e o microssistema de processo coletivo para confirmar a legitimidade coletivo-institucional da Defensoria Pública – ver, em especial, o uso do diálogo das fontes no microssistema de processo coletivo em tais casos: STJ, AgInt 1.220.572 (vide aqui).

A esta altura, o leitor deve estar se questionando por qual razão a chamada do texto menciona “mais de 700 famílias” se o STJ julgará caso envolvendo “450 famílias”. É que, na verdade, a decisão do STJ poderá ter um nocivo efeito em cascata sobre tantos outros casos, os quais se encontravam provisoriamente estabilizados por pedidos de suspensões de decisões dados pelas presidências dos tribunais por todo país.

Para exemplificar, tem-se a comunidade “Nova União”, pela qual 300 (trezentas) famílias estavam protegidas pela presidência do Tribunal de Justiça do Amazonas (TJAM). Contudo, partindo-se da equivocada premissa de que o processo traria pauta meramente privada, voltou-se atrás para revogar a decisão protetiva (sobre o caso, ver aqui). Aparentemente, viu-se mais interesse público em tutelar o patrimônio privado de uma empresa, do que em organizar as políticas públicas envolvendo “300 famílias” – “Seria cômico se não fosse trágico” (?).

Na verdade, tudo se resolveria em uma resposta adequada à Constituição, se as decisões criticadas não ignorassem se tratar de um “processo civil de interesse público” e não apagassem a incidência do microssistema de processo coletivo no caso. Desse modo, bastaria se atentar à relevância social do direito sub judice, aos impactos sobre políticas públicas e ao risco de violação dos direitos indisponíveis de (hiper)vulnerabilizados, tais como pessoas com deficiência, crianças, idosos, mulheres grávidas e enfermos das comunidades envolvidas.

Com efeito, expôs-se somente a ponta do iceberg – pois há inúmeras suspensões nos tribunais brasileiros não contabilizadas aqui em risco de um efeito cascata. Nessa senda, as cúpulas dos tribunais precisam, urgentemente, visualizar o “litígio real” – nas palavras de Boaventura de Sousa Santos –, em situações como estas expostas para não se reproduzir um arcaico e inconstitucional “direito civil do inimigo” (veja mais aqui), violador de direitos fundamentais.

Em suma, resta, mais uma vez, a dúvida: “Estariam as cúpulas dos tribunais fechadas aos mais vulneráveis? ”.

Por Maurilio Casas Maia


  • Processos referidos: SLS n. 3.156/AM (STJ) – SLS n. 4009494-61.2022.8.04.0000 e Ag. Int. Cível n. 0000654-96.2023.8.04.0000 (TJAM).
  • Maurilio Casas Maia é doutor em Direito Constitucional (UNIFOR), mestre em Ciências Jurídicas (UFPB), pós-graduado em Direito Civil e Processual Civil e em Direito Público: Constitucional e Administrativo (CIESA), professor do programa de pós-graduação em Direito (PPGD) da Universidade Federal do Amazonas (UFAM) e defensor público (DP-AM).

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